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‘Capitã Marvel’ chega como exceção na indústria masculina dos super-heróis

Com maioria feminina atrás das câmeras, filme representa mudança positiva no catálogo da Marvel, mas realidade ainda é esmagadoramente desigual

Por Juliana Varella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 mar 2019, 22h38 - Publicado em 8 mar 2019, 20h49

Quem vê a atriz Brie Larson voando alto na principal estreia da semana nos cinemas, o filme Capitã Marvel, talvez imagine que a desigualdade de gênero em longas de super-heróis seja coisa do passado, de um tempo que não conhecia hashtags feministas ou termos como “empoderamento” e “sororidade”. Não é bem assim.

A produção é apenas a primeira entre as 21 produções do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês – uma denominação que contempla os longas lançados pelo estúdio ligado à editora Marvel de quadrinhos) a trazer uma heroína, sozinha, no título. Entre todas as adaptações de HQs da marca, incluindo filmes de outros estúdios, ela é apenas a segunda a estrelar uma heroína-solo – a primeira foi Elektra, em 2005. Outras super-mulheres já foram protagonistas ao lado de homens em filmes como Homem-Formiga e A Vespa ou em aventuras de grupos como Vingadores, X-Men, Quarteto Fantástico e Guardiões da Galáxia, mas, até nesses casos, elas representaram uma tímida minoria.

Não que a Marvel não tenha evoluído ao longo dos anos. Em Vingadores, de 2012, a Viúva Negra (Scarlett Johansson) aparecia como a única mulher num time com cinco homens. Já em Vingadores: Era de Ultron, de 2015, ela ganhou a companhia da Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), apesar de o número de heróis masculinos em capas também ter crescido. O mesmo aconteceu com Guardiões da Galáxia, que começou com Gamora (Zoe Saldana) como representante isolada do gênero e cresceu para incluir sua irmã, Nebula (Karen Gillan), e a exótica Mantis (Pom Klementieff) na equipe principal de sua sequência.

Atrás das câmeras

Na direção, Capitã Marvel traz uma conquista igualmente importante: Anna Boden é a primeira mulher no MCU e a segunda entre filmes baseados em heróis da Marvel a assumir o cargo – apesar de ela dividir o crédito com Ryan Fleck. Antes de Boden, apenas Lexi Alexander comandara um filme da marca (sozinha), com seu pouco conhecido O Justiceiro: Em Zona de Guerra (2008).

Nesse quesito, infelizmente, a Marvel não é exceção. Entre os 250 filmes mais vistos de 2018, segundo uma pesquisa da Women and Hollywood, organização que combate a desigualdade de gênero na indústria cinematográfica americana, apenas 8% tiveram uma mulher na direção. Somando os cargos de direção, roteiro, produção, produção executiva, montagem e direção de fotografia, o total chega apenas a 16% de vagas ocupadas por elas no ano inteiro, sendo a média ainda pior entre filmes da Marvel – 10,5% entre todas as adaptações e 14,1% no MCU. Nesse ponto, Capitã Marvel faz bonito e soma 52,3% de mulheres nessas posições – quase o dobro do segundo colocado, Pantera Negra, que tem 26,6%.

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Resta ver se isso se tornará tendência ou será apenas um caso isolado, de um filme feito “para mulheres”.

Mulheres (silenciosas) em cena

Diante das câmeras, Capitã Marvel ainda deixa a desejar. Apenas um quarto dos personagens detalhados com nome ou alguma descrição no IMDB é formado por mulheres. Em toda a Marvel, a média fica em 27,2%, sendo o valor mais alto o de Homem de Ferro 2, que tem mais de 40% do elenco feminino. Esse último número, porém, se deve em grande parte ao fato de que, entre as 27 atrizes listadas no elenco, 17 estão creditadas como “dançarinas do Homem de Ferro” ou, no original, “Ironetes” (veja no vídeo abaixo, a partir dos 39 segundos – essa é praticamente toda a participação dessas atrizes).

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Felizmente, o filme de Brie Larson mostra um avanço ao passar, com louvor, no teste de Bechdel. O método de avaliação foi criado como uma provocação pela quadrinista Alison Bechdel numa tirinha publicada em 1985, mas ganhou popularidade quando se percebeu que, apesar de parecer fácil, muitos filmes falhavam em responder às suas três simples perguntas: se existe mais de uma personagem feminina na obra; se elas conversam entre si; e se a conversa é sobre algo que não seja um homem. Em Capitã Marvel, Carol Danvers tem uma variedade de diálogos sobre memórias, guerras, trabalho, perigos, tecnologias e moda com pelo menos três outras personagens à sua volta.

Segundo o site BechdelTest.com, dedicado a monitorar o desempenho de filmes nesses quesitos, apenas 57% de todos os títulos avaliados (mais de 8.000) foram aprovados nas três perguntas, sendo que, entre títulos da Marvel, cerca de metade passa no teste. No MCU a situação é um pouco melhor – são 65% -, mas até mesmo filmes recentes, como Thor: Ragnarok e Doutor Estranho, foram reprovados.

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O teste é apenas o sintoma de um problema muito maior: segundo a pesquisa do Women and Hollywoodem 2018, mulheres corresponderam a meros 35% de todos personagens com falas no cinema, número que foi de 34% em 2017 e de 32% em 2016.

O tempo de tela, em geral, também costuma ser predominantemente masculino. Na média, os 100 maiores filmes de 2017 tiveram 39,1% de mulheres em cena (segundo o instituto Geena Davis de estudos de gênero na mídia), número que vem aumentando pouco a pouco, mas ainda está longe do ideal. Entre os filmes da Marvel, Homem-Formiga e a Vespa, lançado em 2018, é o único até hoje em que figuram mulheres por mais tempo do que homens: 55,7% do total, ou 65 minutos inteiros. Dados sobre Capitã Marvel ainda não foram computados.

Curiosamente, outro estudo feito pelo mesmo instituto aponta que filmes com protagonistas femininas tendem a ser mais igualitários, em vez de simplesmente inverterem os papéis: os principais lançamentos do cinema entre 2014 e 2015 com mulheres no centro mantiveram uma proporção de 51% de falas femininas para 48% de falas masculinas, enquanto aqueles com homens à frente tiveram uma disparidade de 27% para 73%.

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Passando o bastão

A estreia de Capitã Marvel acontece pouco menos de dois anos após a chegada de Mulher-Maravilha – da rival DC Comics – aos cinemas, um evento que agitou o mercado e mostrou aos estúdios que filmes de ação liderados por mulheres poderiam, sim, ser muito lucrativos. O longa estrelado por Gal Gadot trouxe uma arrecadação total de mais de 820 milhões de dólares e se tornou o terceiro maior sucesso da marca, atrás apenas de Batman: O Cavaleiro das Trevas e Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge.

As duas personagens têm perfis bem diferentes, mas se assemelham num ponto: tanto Carol Danvers quanto a Mulher-Maravilha chegam para salvar seus colegas masculinos e se estabelecem como as figuras mais fortes – ou pelo menos como uma das mais fortes – de seus universos. A heroína da DC aparece pela primeira vez em Batman vs Superman: A Origem da Justiça para virar o jogo numa luta entre os colegas e o vilão Apocalipse. Já a Capitã é apontada no final de Vingadores: Guerra Infinita como a última esperança da humanidade após a vitória de Thanos. Sinal dos tempos, talvez.

Se compararmos os números, Mulher-Maravilha tem uma proporção muito mais alta de mulheres no elenco, chegando a 60% (o que faz sentido, já que a heroína vive numa ilha povoada por amazonas), mas Capitã Marvel ganha a disputa no quesito “mulheres atrás das câmeras”, com o longa da DC empregando apenas 15% delas nos cargos principais, contra mais de metade no filme da Marvel – uma verdadeira raridade.

Os avanços, é claro, não são mera coincidência. Depois de muita pressão do público, Victoria Alonso, produtora executiva da diversos títulos da Marvel, incluindo Capitã Marvel, declarou que o estúdio estava “determinado a mudar” e que os planos para incluir mais mulheres em posições de poder nas produções era uma “mudança consciente”. Durante um evento da organização Women in Technology em 2016, Alonso reconheceu o problema publicamente: “Nós tivemos desigualdade de gênero por algum tempo. No último ano, isso chegou ao limite e deixou de ser aceitável para as mulheres e para alguns homens. A mudança é necessária, e esperamos poder criar uma Hollywood mais balanceada para a próxima geração. Não quero ser a única mulher na sala”, disse, quase num desabafo. Em Capitã Marvel, ela teve a companhia de outras duas produtoras executivas à mesa (Mary Livanos e Patricia Whitcher) e, em Vingadores: Ultimato, ela dividirá a sala com Trinh Tran.

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Apesar de tudo, a balança ainda deve levar muito tempo para se equilibrar. Mesmo com duas grandes heroínas inspirando uma nova geração de meninas e abrindo precedentes para que o futuro seja um pouco mais feminino, e mesmo com dois filmes finalmente sendo produzidos com protagonistas mulheres, diretoras mulheres e diálogos complexos entre mulheres, a verdade é que, no cenário mais amplo, elas ainda são minoria à frente e atrás das câmeras, dentro e fora dos filmes de super-heróis.

Na Marvel, como no cinema em geral, elas ainda têm menos falas do que seus colegas, menos tempo de tela e seus papéis dificilmente são complexos o suficiente para que suas vidas não girem em torno dos homens ao seu lado. E, ainda assim, elas ainda estão dispostas a salvar o mundo.

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