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Canal de streaming ajuda a Disney a driblar a crise

A companhia supera a crise do coronavírus com vendas em alta do serviço e prova que, quase centenária, é uma das empresas mais inovadoras do mundo

Por Amauri Segalla
Atualizado em 4 jun 2024, 15h41 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00

Em agosto de 2017, o impetuoso presidente executivo da Disney, Robert Iger, informou que a empresa criaria o seu próprio serviço de streaming em no máximo dois anos. Por mais que analistas enxergassem com ceticismo a possibilidade de a companhia fundada em 1923 por Walt Disney enfrentar uma corporação jovem, agressiva e dinâmica como a Netflix, Iger insistiu que aquele era o único caminho a seguir. “Esse anúncio marcou o início de nossa reinvenção”, escreveu o executivo em seu livro de memórias Onde os Sonhos Acontecem, lançado há duas semanas no Brasil. Com o streaming, a Disney também assumiria o risco de concorrer com os canais de televisão que possuía, além de sacrificar a bilheteria de seus filmes no cinema. Apesar da jogada temerária, Iger foi em frente. Em novembro de 2019, o serviço por assinatura Disney+ estreou no Canadá e Estados Unidos com a meta de chegar a 60 milhões de usuários em 2024. No reino encantado da Disney, milagres acontecem. A marca foi alcançada em junho, apenas sete meses após o lançamento e quatro anos antes do planejado.

Esperava-se que a pandemia do novo coronavírus causasse estragos irreparáveis nas finanças da Disney. Com os parques temáticos fechados, os cruzeiros marítimos interrompidos e os hotéis vazios — áreas de negócios que sustentam boa parte das receitas da companhia —, parecia impossível não dar 2020 como um ano perdido. Mickey e sua turma, ao contrário, espantaram a crise. “A Disney demonstrou uma capacidade impressionante de resistir à tempestade”, diz Eduardo Tancinsky, consultor especializado em marcas. “O que ocorreu em 2020 é um marco na história do mundo corporativo e a prova definitiva de que empresas ousadas são indestrutíveis.” Exageros à parte, a verdade é que a Disney lançou uma operação de guerra para evitar as perdas provocadas pela Covid-19. Entre outras iniciativas, cortou os salários dos executivos em até 50%, dispensou 100 000 funcionários e acessou uma linha de crédito de 5 bilhões de dólares. Com o desempenho surpreendente do streaming e o retorno do público aos parques, especialmente na China, os resultados vieram. No trimestre encerrado em junho, o grupo apresentou 8 centavos de lucro por ação. O mercado havia projetado um prejuízo de 64 centavos.

Poucas empresas mudaram tanto nos últimos anos. No começo do século, a Disney era uma corporação estagnada. Embora presente no imaginário de bilhões de pessoas, ela parecia ter perdido o encanto. Animações como Nem que a Vaca Tussa e Irmão Urso não só decepcionaram os fãs, como também torraram milhões de dólares. Com seu time criativo sem inspiração, a Disney resolveu partir para o ataque. Foi assim que, desde 2006, começou a comprar empresas que estavam cativando as novas gerações — e gerando cifras bilionárias. Uma a uma, Pixar (criadora de marcos como Toy Story, Os Incríveis e Ratatouille), Marvel (Homem-­Aranha e X-Men), Lucasfilm (saga Star Wars) e 21st Century Fox (Os Simpsons) foram incorporadas ao grupo, o que foi suficiente para trazer de volta a necessária dose de ousadia.

Hoje em dia, é inegável que a Disney está entre as empresas mais ágeis e inovadoras do planeta. Em 2018, lançou o filme Pantera Negra, que pela primeira vez trouxe um super-­herói negro. Para a Disney, que fez fama com príncipes e princesas loiros e de olhos azuis, a iniciativa foi uma mudança histórica de paradigma. E ela funcionou. Pantera Negra é o quarto filme de super-herói com maior bilheteria de todos os tempos. Há alguns dias, a empresa anunciou mais uma transformação radical. Com os cinemas ainda fechados, decidiu lançar a megaprodução Mulan, que consumiu 200 milhões de dólares em investimentos, em seu canal de streaming. Para isso, cobrará uma taxa extra de 30 dólares dos assinantes, algo que nenhuma outra empresa do ramo ousou fazer. Mulan estreia no serviço de assinatura em setembro e representará um teste importante para a indústria do entretenimento. Se funcionar, é possível que os concorrentes comecem a cobrar valores adicionais para atrações de primeira linha. No Brasil, o canal Disney+ deverá chegar em novembro. Ou seja: o maravilhoso mundo da Disney continuará, durante muito tempo, enfeitiçando fãs do planeta inteiro.

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Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700

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