Audiolivros: a corrida ao ouro dos best sellers para ouvir
Consolidados no mercado americano, eles ganham impulso no Brasil com empurrão de gigante do ramo e narração de atores conhecidos
Em 1865, o escritor José de Alencar lançou Iracema, clássico indianista obrigatório nas prateleiras de qualquer biblioteca brasileira. Quase 160 anos depois, o romance do português Martim com a indígena Iracema —que, na história, dá origem ao Ceará — pode ser consumido na íntegra não só nas páginas dos livros, mas também nos fones de ouvido: um audiolivro do clássico de Alencar narrado pelo cearense Silvero Pereira, conterrâneo do autor, acaba de ser lançado pela empresa especializada Audible. “É uma obra com que tive contato lá atrás. Agora, posso usar da minha voz e sotaque para levar a história para outras pessoas”, diz o ator, que leu o livro quatro vezes e passou cinco dias em estúdio para realizar a missão.
Iracema – José de Alencar [Audiobook narrado por Silvero Pereira]
Estabelecidos nos Estados Unidos há alguns anos, os audiolivros surgiram como uma alternativa à leitura em tempos de correria e caíram no gosto de uma geração fascinada pelos podcasts — em sua maioria, os ouvintes de audiolivros nos Estados Unidos são jovens, com 57% tendo entre 18 e 44 anos, de acordo com a Audio Publishers Association. Narradas na íntegra, as obras podem ser consumidas no metrô, na hora da ginástica ou antes de dormir, emulando a memória afetiva das contações de histórias na infância. O formato movimentou, em 2024, um mercado global de respeitáveis 7,9 bilhões de dólares. Já são 1,5 bilhão de usuários globais — número que deve subir para 1,9 bilhão até 2029, segundo projeções do portal estatístico Statista Market Insights.
Reflexões Sobre O Podcast – Lucio Luiz
Com potenciais 26,2 milhões de usuários até 2029, o Brasil vive no momento uma corrida ao ouro no setor — impulsionada inclusive pela entrada de capital estrangeiro no negócio. Há seis meses no país, a Audible, maior player internacional, colocou no mercado cerca de 1 700 audiolivros em português. Nas últimas semanas, a Universo dos Livros também lançou por aqui os primeiros audiolivros da Disney em nossa língua — O Estranho Mundo de Jack, Star Wars — Ahsoka e A Fera em Mim. Já lá fora, a Audible anunciou para 2025 audiolivros de toda a saga Harry Potter narrados por um elenco de 100 pessoas.
Harry Potter – J.K. Rowling [Box]
No campo nacional, as produtoras estão apostando, entre outras coisas, em uma tática que se mostrou vencedora nos Estados Unidos: dar a esses lançamentos ares de superproduções com narração de famosos. Além de Silvero, nomes conhecidos da TV e do streaming, como Camila Pitanga, Isabel Teixeira, Fábio Porchat e Mel Lisboa, foram acionados para a competição. Produzidos com olhar mais artístico, os audiolivros podem contar também com efeitos especiais e trilha sonora.
Com mais obras disponíveis, aumenta-se também o leque de opções para o público. “O que temos visto agora é um movimento de consumidores se engajando”, atesta Adriana Alcântara, diretora-geral da Audible no Brasil. Apesar do frisson fomentado pelos investimentos da gigante ligada à Amazon, a produção de audiolivros vem se desenvolvendo no país também por meio de empresas nativas. Fundada em 2014, a Tocalivros é pioneira com catálogo de 2 500 audiolivros recheado de clássicos — em breve, chega à plataforma Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, com elenco de oito vozes. “É algo novo, mas o ouvir está na gênese brasileira. Somos ótimos contadores e absorvemos boas histórias”, diz Clayton Heringer, diretor artístico da empresa, citando radionovelas e telenovelas.
Orgulho e preconceito – Jane Austen
Além de levar a literatura para momentos do dia a dia em que ler as páginas seria uma alternativa mais complicada, o modelo é uma forma importante de inclusão. Criada há nove meses, a Supersônica surgiu da vontade da diretora Daniela Thomas — filha de Ziraldo — e de Maria Carvalhosa de desenvolver uma biblioteca em áudio de qualidade. Estudante de letras, Maria perdeu a visão aos 13 anos, mas nunca abandonou a paixão pela literatura. “Ela não queria ficar ouvindo livros só com voz robótica. Uma pessoa com deficiência não deve ser privada de uma biblioteca moderna e interessante”, opina Daniela.
Produzidos em estúdios, os audiolivros são disponibilizados em plataformas digitais que se assemelham aos streamings, com assinaturas mensais na faixa de 19,90 reais, que dão acesso ilimitado aos catálogos. Lá fora, o Spotify lançou recentemente uma assinatura exclusiva para o modelo, surfando na tendência. É possível também adquirir as obras “à la carte” e aproveitar testes gratuitos (ainda não há data para a chegada do serviço por aqui). É importante lembrar que nada substitui a experiência de folhear e ler um livro de verdade — mas saboreá-los ao pé do ouvido também está valendo.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2024, edição nº 2891