Ator de ‘Central do Brasil’ viveu na pele o drama dos imigrantes ilegais nos EUA
A VEJA, Vinícius de Oliveira fala do filme ‘Quase Deserto’, rodado em Detroit, e das experiências no país: do Oscar à detenção em aeroporto americano
O ator Vinícius de Oliveira, 40 anos, foi para os Estados Unidos pela primeira vez em 1998. Na época, ele participou de eventos de divulgação do filme Central do Brasil, o qual protagonizou ao lado de Fernanda Montenegro como o garoto Josué. Naquela época, uma criança em meio ao glamour, tudo era festa e alegria. Depois dessa experiência, Oliveira só retornou ao país americano em 2023, para integrar o elenco do filme Quase Deserto, do diretor José Eduardo Belmonte, rodado em Detroit, no estado de Michigan. A recepção dessa vez foi bem diferente. “Quando cheguei em Washington para pegar minha conexão, a imigração me barrou”, contou Oliveira em entrevista a VEJA. “Ouvi muitos xingamentos, falaram que eu era mentiroso e estava ali para fazer coisas horrorosas. Fiquei detido em uma salinha por pelo menos uns 30 minutos, sem saber o que iria acontecer. Depois de revistarem a minha mala, me liberaram.”
A experiência foi quase um “batismo” para o papel que Oliveira iria desempenhar no filme que acaba de entrar em cartaz nos cinemas brasileiros. Em Quase Deserto, ele dá vida a Luís, um brasileiro que quer recomeçar nos Estados Unidos, mas encontra dificuldades para legalizar sua documentação. O caminho dele se cruza com o do jornalista argentino Benjamin (Daniel Hendler), também ilegal por lá, e Ava (Angela Sarafyan), uma jovem americana com uma síndrome rara e que é retirada de uma situação de perigo pelos dois imigrantes. Começa então uma caçada ao trio que entra na mira da polícia e de pessoas misteriosas interessadas na garota. Conforme narra a história, o diretor pincela recortes políticos reais ditos por Joe Biden e Donald Trump, então em campanha presidencial no período no qual se passa o roteiro. Apesar da experiência ruim, Oliveira não guarda mágoas. Ele, aliás, vem pensando em investir na carreira internacional. Confira a seguir a entrevista do ator para VEJA:
Como entrou para o elenco do filme? O Zé [diretor] já tinha esse roteiro fazia um tempo e ele pensava no Daniel Hendler, o outro personagem, o argentino. Depois, ele pensou que seria legal ter um contraponto, um brasileiro legítimo, mas com uma certa doçura. Que tivesse essa brasilidade para representar quem está lá for. E aí, ele acabou pensando em mim.
O filme foi rodado em Detroit, como foi essa experiência? Quando ele me ofereceu o papel, ele me perguntou se eu falava inglês e se tinha visto. Eu disse: ‘inglês a gente se vira. Visto não tenho, mas tiro agora’.
Chegou a ter contato com imigrantes ilegais? Não, não tive contato, mas eu fui tratado como se fosse um quando cheguei nos Estados Unidos.
Como assim? Quando cheguei em Washington para pegar minha conexão, a imigração me barrou. Ouvi muitos xingamentos, falaram que eu era mentiroso e estava ali para fazer coisas horrorosas. Fiquei detido em uma salinha por pelo menos uns 30 minutos, sem saber o que iria acontecer. Depois de revistarem a minha mala, me liberaram. Então, eu já senti na pele ali a questão de ser imigrante, de ser violentado e desrespeitado.
Sem o Central do Brasil minha vida não seria fácil não, viu?
Vinícius de Oliveira
O filme se passa em 2023, mas reflete bem o drama de hoje que os imigrantes vivem nos Estados Unidos. Pois é, calhou de estar acontecendo tudo agora, novamente, de uma maneira extremamente bizarra, né? Porque a gente vê no filme os personagens serem perseguidos pela polícia, principalmente o meu e é a mesma coisa que temos visto recentemente nos noticiários.
Você fez sua estreia como ator descoberto pelo Walter Salles em Central do Brasil. Já parou para pensar como seria sua vida se não tivesse feito esse filme? Sem o Central do Brasil minha vida não seria fácil não, viu? Porque, imagina, eu morava em uma favela no Rio de Janeiro, no Complexo da Maré, uma das mais violentas do Rio. Meu pai já tinha largado a gente, eu, minha mãe e meu irmão. Minha mãe nos criou sozinha. Eu já estava fora da escola quando fiz o filme, aos 12 anos. As perspectivas eram muito pequenas. No máximo, tentar jogar futebol. Porque eu era dedicado, gostava de jogar, já jogava no time da comunidade. Talvez ali pudesse dar uma sorte, mas seria difícil.
E como é sua relação com a Fernanda Montenegro hoje em dia? A gente se fala bastante, ela gosta de contar histórias e eu de ouvir. Então só sento, escuto e me divirto — e repenso minha vida. A última vez que a gente se reencontrou foi no lançamento do filme Vitória, em São Paulo. Ela chegou de carro na parte da tarde, mais ou menos, descansou e foi para a pré-estreia. E dali, ela foi direto voltar para o Rio de carro para fazer o espetáculo, a leitura da Simone de Beauvoir na noite seguinte. Ela tem um gás, uma energia, uma vitalidade que eu fiquei, gente, essa senhora com 95 anos, com essa lucidez, com essa disposição. Eu aqui não sei se eu estaria fazendo isso que ela fez, esse bate e volta de carro para trabalhar. É um ser humano extraordinário.
E quando o filme foi indicado ao Oscar, foi a sua primeira vez nos Estados Unidos, certo? Como foi aquela experiência? Foi, foi a primeira vez. Comecei, enfim, a viajar com a divulgação do Central. E aí veio a turnê de festivais e depois a campanha do Oscar. Eu não tinha clareza das coisas, da dimensão dos Estados Unidos. O mundo que eu estava vivendo, do cinema, de pré-estreia, de jantares, era uma bolha, onde você vê só coisas legais, gente rica, restaurantes chiques. Enfim, uma outra realidade.
Você já pensou ou pensa em investir na carreira internacional? Penso um pouco. Eu acho que, com essa oportunidade, de viajar e conhecer pessoas que trabalham com cinema lá, com a indústria americana, a gente começa a pensar nessa possibilidade, sim. Tanto que agora eu retomei as aulas de inglês, para ganhar fluência. E os Estados Unidos, mais do que nunca, a indústria cinematográfica está abrindo muitas portas para a gente. A galera viu que eles têm um retorno de mídia muito forte com os brasileiros, como provou a Fernanda [Torres], o Selton [Mello] e agora o Wagner [Moura].
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