PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana

As honestas reflexões do americano James Baldwin sobre identidade e raça

Extraordinário talento da literatura contemporânea, ele tece reflexões sobre identidade pessoal e a condição negra num corajoso volume de ensaios

Por Eduardo Wolf
Atualizado em 4 jun 2024, 15h13 - Publicado em 25 set 2020, 06h00
GettyImages-57172796.jpg2
AFIADO - Baldwin: “Não gosto de pessoas que gostam de mim porque sou negro” – (Ulf Andersen/Getty Images)

“Não gosto de pessoas que gostam de mim porque sou negro, nem de gente que me despreza por essa mesma característica acidental. Amo os Estados Unidos mais que qualquer outro país do mundo e, justamente por isso, insisto no direito de criticá-lo com frequência.” O autor dessa incisiva nota autobiográfica tinha apenas 31 anos quando a redigiu para a abertura de sua primeira coletânea de ensaios, Notas de um Filho Nativo, publicada em 1955. Dois anos antes, seu romance de estreia (Go Tell It on the Mountain, ainda inédito no país) prenunciava uma voz incontornável da literatura de seu tempo. Quando da publicação (precoce) de sua não ficção, seu segundo romance, O Quarto de Giovanni, não só já estava pronto, como fora rejeitado, expondo uma característica da vida e da obra de seu autor, James Baldwin: não há classificação, estereótipo ou esquematismo que possam dar conta de seu gênio artístico. Nem de sua força moral.

+ Compre o livro Notas de Um Filho Nativo, de James Baldwin
+ Compre o livro O quarto de Giovanni, de James Baldwin

Os dez ensaios que compõem Notas de um Filho Nativo dão testemunho disso. Em textos publicados originalmente entre 1948 e 1955 em veículos como Commentary, Harper’s Magazine e Partisan Review, o jovem Baldwin encara com radical honestidade a tarefa de examinar criticamente essa América que anunciava com franqueza amar e criticar em igual intensidade. E compreender a América era lidar com sua identidade. Era esse imperativo que impunha a Baldwin, por meio de sua consciência aguçada e sua sensibilidade única, revirar o passado, a história e as tradições que constituíam a experiência moral dos seres humanos que o cercavam e que o haviam precedido nas terras dos Estados Unidos. Decifrar esse enigma — essa identidade própria — não é, no entanto, simples tarefa de crítica social: o leitor sente nessas páginas a vida de Baldwin, sua condição como ser humano e como escritor, pressionada pelas urgências de seu meio e de seu tempo, pelo peso da história, mas também abrindo espaço para elevar-se e conquistar uma renovada liberdade.

LIVRO-NOTAS-DE-UM-FILHO-NATIVO—JAMES-BALDWIN.jpg
NOTAS DE UM FILHO NATIVO – de James Baldwin (tradução de Paulo Henriques Britto; Companhia das Letras; 248 páginas; 59,90 reais) – (./.)

Já na abertura do livro, Baldwin afirma: “Se escrevo tanto sobre a condição do negro, não é por achar que não tenho outro assunto, mas só porque foi esse o portão que me vi obrigado a destrancar para que pudesse escre­ver sobre qualquer outra coisa”. Do relato de viagem de seu irmão a Atlanta com um quarteto de jovens cantores, temerosos dos riscos de enfrentarem o sul racista segregado, à intensidade vital com que narra a morte de seu pai e a vida no Harlem, passando pelas vigorosas e independentes críticas à literatura negra de protesto produzida então, Baldwin sempre enfrenta o desafio do racismo em toda a sua complexidade: o reconhecimento dos ódios assassinos, a aceitação da frustração violenta e as consequências deformadoras que essa relação iníqua acarreta.

Continua após a publicidade

+ Compre o livro Go Tell It on The Montain, de James Baldwin
+ Compre o livro Se a Rua Beale Falasse, de james Baldwin

É assim que a identidade americana, a condição negra e a identidade pessoal se entrelaçam, dolorosa e corajosamente, nos relatos de Baldwin. Em momentos brutais, como quando se vê reagindo com irreconhecível fúria a uma garçonete em Nova Jersey que se recusa a servi-lo, ou apocalípticos, como nos intensos conflitos raciais que estouram no Harlem no dia da morte de seu pai, em 1943, ou simplesmente reflexivos, divagando em uma aldeia suíça sobre sua condição, Baldwin encontra sempre a voz certa, a identidade verdadeira, a razão humana: “seu centro moral próprio para viver neste mundo”. As notas deste filho nativo morto em 1987, aos 63 anos, têm um eco particular para todos os filhos de um tempo em que as mesmas dores mostram sua permanência. Suas lições, no entanto, vão além. “Quero ser um homem honesto e um bom escritor”, escreveu. Um centro moral próprio, como Baldwin encontrou, é a única identidade que é inescapável.

Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706

Continua após a publicidade

CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR

As honestas reflexões do americano James Baldwin sobre identidade e raçaAs honestas reflexões do americano James Baldwin sobre identidade e raça
Notas de Um Filho Nativo, de James Baldwin
Continua após a publicidade
As honestas reflexões do americano James Baldwin sobre identidade e raçaAs honestas reflexões do americano James Baldwin sobre identidade e raça
O quarto de Giovanni, de James Baldwin
As honestas reflexões do americano James Baldwin sobre identidade e raçaAs honestas reflexões do americano James Baldwin sobre identidade e raça
Go Tell It on The Montain, de James Baldwin
Continua após a publicidade
As honestas reflexões do americano James Baldwin sobre identidade e raçaAs honestas reflexões do americano James Baldwin sobre identidade e raça
Se a Rua Beale Falasse, de james Baldwin
logo-veja-amazon-loja
Continua após a publicidade

*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

 

VEJA RECOMENDA | Conheça a lista dos livros mais vendidos da revista e nossas indicações especiais para você.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.