O pop sem gênero – e reconfortante – da cantora americana LP
A nova-iorquina se destaca com letras que falam sobre desilusões amorosas
No início dos anos 2000, então em seus 20 e poucos anos, a cantora e compositora nova-iorquina Laura Pergolizzi — mais conhecida como LP — lançou dois excelentes discos que nunca deslancharam. Enquadrada na mesma caixinha que Christina Aguilera, Britney Spears e Rihanna, que despontavam com forte apelo sensual, a talentosa LP foi engolida pela máquina de moer do pop. Seu jeitão diferente, os cabelos cacheados à la Strokes e a tatuagem de um imenso galeão sempre à mostra no peito (o desenho teria sido feito após uma mastectomia, mas é uma história até hoje cercada de mistério) davam a ela um visual andrógino que acabou não sendo bem digerido na época. Tímida, ela se retraiu e, mesmo após sete contratos com diferentes gravadoras, nenhum álbum foi adiante. O motivo era, nas suas palavras, a insistência dos produtores em “pegar uma lésbica e botá-la num vestido”. Sem aderir aos gêneros masculino ou feminino, LP, que se considera uma pessoa não binária, teve dificuldade em convencer de que valia a pena o investimento. “Eles olhavam para mim e diziam: ‘Isso é bom, mas vamos seguir em frente’”, já declarou.
Nos dez anos seguintes, LP foi construindo, no entanto, um tipo peculiar de sucesso: suas composições viraram hits — só que gravados por outros artistas, como Backstreet Boys, Beyoncé, Christina Aguilera, Céline Dion, Rihanna, Rita Ora e Cher. Foi apenas nos últimos tempos que ela conseguiu mostrar as caras de fato. A volta por cima se anunciou com o single Lost on You, faixa de 2015 recusada inúmeras vezes pelas gravadoras, mas que mais recentemente se impôs com milhões de reproduções nos serviços de streaming. E se consolida em dois singles já lançados do novo álbum, Churches, previsto para dezembro.
As composições de LP são o equivalente sonoro da comfort food — aquele tipo de comida frugal capaz de aquietar a alma. Lost on You resume a receita de sua “comfort music”: a canção mescla uma levada amena de pop rock com melodia perfeita para assoviar em qualquer ocasião, de um luau na praia à espera pela consulta no dentista. Na letra, interpretada por sua voz rouca, ela lamenta o fim do namoro com uma garota. A difícil trajetória de LP em um mercado altamente competitivo remete a outras compositoras que também só se destacaram bem depois do início da carreira. A australiana Sia e a britânica Jessie J, tal como LP, foram ignoradas por anos pela indústria por não se enquadrarem em padrões predefinidos — mas triunfaram na maturidade. Aos 40 anos, LP já colhe louros inclusive no Brasil. Em 2020, ela seria atração do Lollapalooza, em São Paulo, cancelado por causa da pandemia. Mas o festival acaba de confirmar: seu pop de gênero fluido dará as caras por aqui em 2022.
Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2021, edição nº 2762
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