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Alexandre Nero: ‘Cinema é político, e é também entretenimento’

Em cartaz com "A Jaula", ator vive personagem que personifica o espírito vingativo dos ditos "cidadãos de bem"

Por Amanda Capuano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 fev 2022, 18h04 - Publicado em 17 fev 2022, 17h39

Um assaltante arromba um carro estacionado e urina no veículo que pretende furtar. Quando tenta deixar o local, as portas são trancadas, e nada do que ele faça é suficiente para sair dali. Preso no carro sem água ou comida, ele tenta contato com o mundo exterior, mas a falta de bateria o impede de falar com qualquer pessoa — até que uma voz surge do rádio querendo conversar. O homem do outro lado da linha se apresenta como Doutor Henrique, um médico rico roubado 28 vezes ao longo da vida. Desiludido com as instituições, ele transforma o próprio carro em uma armadilha, na esperança de capturar algum “ladrão vagabundo” para dar uma lição. “A intenção era trazer uma confusão muito presente nos dias de hoje. Ali, não tem bandido e mocinho, o espectador fica em dúvida pra quem torcer”, explica João Wainer, diretor do filme A Jaula, que chega aos cinemas nessa quinta-feira, 17.

Adaptado de um roteiro argentino de Mariano Cohn e Gastón Duprat, o filme transpõe a história para o Brasil atual. O ladrão enclausurado é vivido pelo talentoso Chay Suede, que segura metade do filme sozinho, interagindo apenas com a voz do outro lado do rádio. Alexandre Nero, por sua vez, encarna o Dr. Henrique, uma espécie de alegoria para o lado vingativo da humanidade, que busca justiça com as próprias mãos. Auto-proclamado “cidadão de bem” — expressão muito usada atualmente e já despida de valor — o personagem alfineta aqueles que, cansados da criminalidade, se julgam acima da lei, e defendem o olho por olho dente por dente. Em entrevista a VEJA, Alexandre Nero comentou a relação do personagem com o Brasil atual, e destacou que querer fazer justiça com as próprias mãos é um sentimento atemporal. Confira a conversa:

O seu personagem é uma crítica aos ditos “cidadãos de bem”. No atual momento do Brasil, acredita que haverá quem concorde com ele? Eu não acho, eu tenho certeza. Talvez a gente se assuste que a maioria concorde com o personagem. É inevitável que a gente trace um paralelo dele com o momento que o Brasil vive hoje. Mas o filme é baseado em um roteiro argentino, e a Argentina não estava vivendo esse momento quando o roteiro surgiu. É uma questão atemporal sobre as entranhas podres que o ser humano tem de querer resolver as coisas no tiro, na unha, de maneira quase animalesca. A civilização veio para tentar impedir que a gente se mate no meio da rua.

E como você vê as atitudes do Henrique? Eu não sou o tipo de ator que defende o personagem a qualquer custo, mas meu trabalho é compreendê-lo. Esse homem está no seu limite psiquiátrico, de um cidadão que tentou alguns meios e não conseguiu escapar desse ciclo de violência. Então, ele busca vias não tradicionais. Esse cidadão se empoderou no Brasil atual. Hoje, ele sente que pode reagir metendo uma arma na cintura, como o cara que votou em 2018 apertando os botões com um revólver. 

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Então o “olho por olho” ganhou força no Brasil? O Brasil empoderou esse tipo de gente. Os juízes são assim, o ministério público é assim, o país está infestado dessas pessoas. Mas eu acredito que precisamos discutir isso de maneira mais ampla, porque é algo muito maior do que o “cidadãozinho lá”. É um assunto nosso, da gente entender o que pode e o que não pode, e qual caminho seguiremos. Se todo mundo resolver fazer justiça com as próprias mãos, vai sobrar pra muita gente inocente.

E como o filme mostra isso? O cinema é político, mas é também entretenimento, e o João equilibra isso muito bem.  Acho que a intenção não é criar um “eles contra nós”, nem necessariamente apontar o Bolsonaro dentro do cidadão de bem. É sobre cidadania e os limites entre civilização e barbárie, além de um grande entretenimento. 

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