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Aílton Graça sobre Mussum: ‘O racismo cria estereótipos para homem preto’

O ator de 59 anos fala sobre o desafio de interpretar o notório comediante dos Trapalhões no cinema e ressalta papel do personagem na afirmação negra

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h11 - Publicado em 3 nov 2023, 06h00

Durante a produção de Mussum, O Filmis, o que mais chamou sua atenção na história do humorista? Achei interessante que temos muita coisa em comum, como a paixão pelo samba, o amor pela Mangueira. Eu me tornei um mangueirense por causa do Mussum. Sempre achei que ele tinha sido escolhido pela arte e se permitiu ser guiado por ela — assim como eu.

O filme deixa de fora as piadas racistas dos Trapalhões. Por que limá-­las? As piadas deles são datadas e precisavam ser atualizadas. Não tínhamos condição de reproduzir o que os Trapalhões faziam. Só eles podiam falar certas coisas, por causa do contexto daquela época, quando algumas pautas sociais não tinham avançado tanto. Temos até um segredinho: de todas as piadas do filme, só uma é uma reprodução exata, todas as outras foram criadas por nós. Não é mais possível fazer aquele tipo de humor.

Nos bastidores dos Trapalhões, Mussum chegou a sofrer racismo — colocavam até bananas em seu camarim. O que justifica que isso não apareça no filme? Acho que se um dia tivermos a possibilidade de rodar a história dos Trapalhões, poderemos tratar dessas questões dentro da perspectiva de como era a relação deles. Aqui, quisemos contar a história do Antônio Carlos Bernardes Gomes, da sua trajetória da infância até virar integrante dos Trapalhões e da Mangueira. Mussum abriu muitos caminhos para os negros, fez muitos avanços.

A obra também mostra que Mussum bebia apenas socialmente. Por que acha que ele ainda é lembrado como alcoólatra? O racismo sempre cria estereótipos para um homem preto — como um bêbado, subalterno. Há até fake news sobre a morte do Mussum: muitos pensam que ele morreu de cirrose. Uma grande mentira — foi por causa de um transplante de coração malsucedido.

Nos últimos anos, os negros têm ganhado espaço maior (e merecido) nas telas. A que atribui esse fenômeno? Ao advento do digital. A internet tornou possível compartilhar mais informação, ela liberou imbecis, mas também criou discussões necessárias, como o combate ao racismo estrutural.

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Para o senhor, o que falta para que tenhamos ainda mais protagonistas negros no cinema e na TV? Para começar, o ator negro precisa ser visto como ator. Nesse mundo novo e melhor, é possível. Eu posso interpretar até um presidente.

Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2023, edição nº 2866

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