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Acampamento de fãs do BTS: noites no frio e banho a R$ 10

Jovens aventureiros e famílias completas viajam longas distâncias e trocam o conforto do lar por barracas — sacrifício pelos ídolos do k-pop

Por Amanda Capuano
Atualizado em 24 Maio 2019, 15h31 - Publicado em 24 Maio 2019, 15h16

Sem limite no cartão para realizar uma compra online, Tamires Cristina, 30 anos, estava destemida de pegar um ônibus no Rio de Janeiro com destino a São Paulo, em março, para encarar uma longa fila diante da bilheteria do estádio Allianz Parque. O motivo: comprar ingressos para o show do grupo sul-coreano BTS, que se apresenta nos dias 25 e 26 de maio no local, e realizar o sonho de sua filha Isabelle Bender, 12 anos, fã da banda, fenômeno do gênero musical k-pop.

A jornada para conseguir as entradas mudou de rumo quando uma generosa conhecida da família emprestou o cartão de crédito e conseguiu adquirir os ingressos pela internet. Tamires, contudo, já havia pedido demissão do emprego de gerente de marketing em uma escola de atores para encarar a aventura. Ela e o marido, Vagner da Fonseca, 39 anos, aliás, estavam mais do que comprometidos com a ideia. Ele entregou o carro alugado, com o qual trabalhava com um aplicativo de motoristas, e a família completa chega em São Paulo nesta sexta-feira, 24. “Se eu não comprar os sonhos dela, quem vai?”, diz a mãe. A trupe vai se revezar entre um hotel e o acampamento que, desde fevereiro, quando os shows foram anunciados, se instalou nos arredores do estádio.

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Da esquerda para direita, Vagner da Fonseca, Isabelle Bender, Luiza Flores e Tamires Cristina: família carioca no carro rumo ao acampamento do BTS, em São Paulo (Reprodução/Arquivo pessoal)

Isabelle e sua família não estão sozinhas entre as histórias, por assim dizer, excêntricas, de fãs que enfrentaram os mais diversos calvários pelos ídolos sul-coreanos de aparência andrógina. Na praça ao lado do portão B do Allianz, onze barracas, nomeadas de B1 a B11, se instalaram com bastante antecedência por ali e são administradas como se fossem startups. Cada uma delas conta com grupos de até sessenta pessoas que se revezam em turnos e possuem no mínimo um administrador, responsável por controlar as horas de escala e o dinheiro investido por cada fã. Tudo é anotado. É por meio desse “banco de horas” que a posição na fila, no dia do show, será definida.

O clima geral é uma mistura de cansaço e animação. No dia a dia, a lanchonete ao lado da praça garante as idas ao banheiro, assim como um posto de gasolina 24 horas. O banho é em um motel próximo, por 10 reais. E a alimentação é um misto de marmitas, salgadinhos e bolachas compartilhados pelos fãs. “A gente toma chuva, passa fome e frio, não consegue dormir. Tem louco de madrugada que vem balançar as barracas. É complicado, mas tirando isso, é bom. Fiz amizades que levo para a vida”, diz Geovana Souza Silva, 17 anos.

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Apesar do cansaço, o clima no acampamento é de união. Jovens compartilham comida e se ajudam como podem para a realização de um sonho em comum. A maioria está acampada desde fevereiro par ver os ídolos de perto. - 20/05/2019
Jovens compartilham comida em acampamento. A maioria está vivendo nas barracas desde fevereiro: o show do BTS acontece nos dias 25 e 26 de maio (Claudio Gatti/VEJA)

Entre os aventureiros, estão novatos e veteranos na arte de acampar por um show. Geovana é do grupo dos veteranos. A jovem de São Paulo acampa desde os 13 e já chegou a ficar seis meses na fila para ver o BTS em 2017, quando o grupo passou pelo país com a turnê Wings. Este ano, ela encara, desde fevereiro, a rotina de escola pela manhã e acampamento no período da tarde — e em algumas noites. “A minha mãe acha loucura, mas dorme comigo na barraca. Ela vem, mas vem reclamando”, conta a estudante que gastou 805 reais em ingressos para os dois dias de shows. Já Abne Gilmar, 20, encara pela primeira vez as dores e delícias de um acampamento pré-show. “Foi também minha primeira vez num avião”, conta o rapaz de Florianópolis, que chegou na capital paulista no começo de maio e, desde então, alterna turnos com noites mal dormidas na barraca e descansos na casa de uma amiga. Membro de um grupo de dança de k-pop, ele tirou férias do trabalho e separou os cerca de 3.000 reais recebidos para a viagem.

Para quem o fenômeno escapa, vale dizer que o BTS surgiu em 2013 e se alastrou pelo mundo, ganhando espaço em premiações como o Grammy e o Billboard Music Awards – neste último, aliás, eles conquistam com frequência o prêmio de Social Artist, pela força nas redes sociais, desbancando nomes como Justin Bieber e Ariana Grande. Em 2018, foram o segundo grupo mais ouvido no Spotify no mundo (atrás da banda Imagine Dragons). Recentemente, tornaram-se os primeiros asiáticos a bater os 5 bilhões de streamings no canal de música.

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Os ingressos para os shows em São Paulo, parte da turnê Love Yourself, Speak Yourself Tour, se esgotaram em poucas horas – no total, foram vendidas 84.000 entradas, com valores entre 145 e 975 reais. O giro começou em Los Angeles, sendo visto por 120.000 pessoas. Depois do Brasil, o grupo segue para Londres e Paris em sua fase europeia; e Osaka e Shizuoka no Japão.

Tamanha comoção entre o público jovem leva os pais a embarcarem junto nas cores do k-pop. A baiana Lidy Betânia Martins Santos, 38 anos, veio de Salvador com as duas filhas, Brenda Vitória, 15 anos, e Rute Evelyn, 11. A mais velha fez aniversário no último dia 18 e pediu o show de presente. Após uma vaquinha entre amigos e familiares, o trio conseguiu comprar as passagens de avião e os ingressos – sendo dois de cambistas, já que estavam esgotados pelas vias oficiais. É a primeira vez das garotas em São Paulo e o primeiro show da vida delas. A mãe quer garantir que a experiência seja mágica, e as noites ao relento são a forma que encontrou para isso. “Não tem cadeira numerada, então é salve-se quem puder. Quem chega cedo pega um lugar melhor, quem chega tarde — além de comprar um ingresso absurdamente caro — ainda vai ficar num lugar ruim”, diz ela, que gastou 2.500 reais só com os ingressos.

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Lidy Betânia com as filhas Brenda Vitória (15) e Rute Evelyn (11) ao lado de Camila, que acolheu Lidy na barraca. O trio veio da Bahia com o dinheiro de vaquinhas. É o primeiro show da vida das garotas, que ficam na casa de um tio enquanto a mãe dorme no acampamento para garantir um bom lugar. A apresentação é o presente de aniversário de Brenda. - 20/05/2019
Da esquerda para direita, as irmãs Brenda Vitória e Rute Evelyn, a amiga de acampamento Camila Silva, e a mãe das meninas, Lidy Betânia: família veio da Bahia com o dinheiro de vaquinhas (Claudio Gatti/VEJA)

Com a data do show se aproximando, o clima no acampamento é de crescente ansiedade. Carine de Cássia, 24 anos, é chamada de “BTS” pelo chefe na empresa em que trabalha. Por lá, todos conhecem sua rotina desde fevereiro: ela dorme no acampamento e sai da estação de metrô Barra Funda às 6h para tomar banho em casa antes do trabalho. Tanto sacrifício vale a pena? “Muito”, ressalta Carine. “A gente abdica de sair com os nossos amigos, de fazer muita coisa para estar aqui. É uma questão de prioridade.”

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