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A vida por escrito

Jovens descobrem o prazer de pegar papel e caneta e anotar compromissos e projetos num caderno — 'bullet journal', em inglês mesmo — e ali organizar a vida

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 4 jun 2024, 16h07 - Publicado em 25 jan 2019, 07h00

Se o Google tem agenda, se o smartphone tem agenda, se o relógio tem agenda, parece impossível que alguém ainda pegue papel e caneta para anotar seus compromissos, especialmente alguém com menos de 50 anos. Pois o impossível virou realidade, e partindo justamente da internet: jovens em busca de organização, sendo na imensa maioria mulheres, passam uma parte do seu dia caprichando nas anotações em uma caderneta em branco a que dão o nome de bullet journal — um diário (journal, em inglês) em tópicos (bullet, no caso, não tem nada a ver com bala de revólver, sua tradução literal, e remete àquelas bolinhas usadas para separar itens nos programas de texto). “Quem já é organizado tem a vida ainda mais facilitada. Quem não é aprende e melhora”, diz Renata Arrepia, da Sociedade Brasileira de Coaching, que usa e recomenda o recurso a seus pupilos.

Portador do transtorno de déficit de atenção, o designer americano Ryder Carroll, de 38 anos, elaborou o sistema de anotações, tabelas e checagem de resultados que batizou de bullet journal, “BuJo” para os íntimos. A disposição dos itens na caderneta é personalizada, adaptada às necessidades e aos desejos de cada um. As páginas são divididas em dias e meses pelo prazo que melhor agrada ao freguês: um mês, um trimestre, um semestre. Em seguida, anotam-se as metas e os compromissos do período e aplica-se seu cumprimento aos dias da semana. Aí é ticar o feito e rearranjar o pendente, tomando o cuidado de analisar os avanços e recuos e, eventualmente, riscar algum objetivo do horizonte.

O “BuJo” permite e incentiva a criação de listas de todo tipo — séries a ser vistas, livros a ser lidos, hábitos a ser cultivados. Vale a pena entremear as metas e compromissos com fatos do dia a dia, à moda “meu diário”. Para facilitar a composição, Carroll lançou no fim do ano passado um manual, O Método Bullet Journal. O maior expoente do “BuJo” é a canadense Amanda Rach Lee, que atrai ao seu canal do YouTube 1,2 milhão de fãs de suas páginas impecáveis.

Bullet journal
FEITO EM CASA – A semana no bullet journal: o usuário cria as divisões e ilustrações (Marcos Michael/VEJA)

Adepta do método há pouco mais de um ano, quando sentiu que precisava urgentemente se organizar para escrever sua tese de doutorado, a linguista Mariana Coutinho, de 28 anos, criou um perfil despretensioso no Instagram para trocar experiências sobre organização e já conta com mais de 2 700 seguidores. “Dá um grande prazer ver todos os quadradinhos de tarefas coloridos ao fim do dia”, diz Mariana, que enfeita cada mês com um tema diferente, de Harry Potter a Alice no País das Maravilhas. Ilustrações, aliás, devem ser usadas com parcimônia. “A meta é organização e autoconhecimento. Ninguém precisa ser artista”, disse Carroll a VEJA.

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Bullet journal
IMPRESSO – A semana no planner: dias e espaços prontos para ser preenchidos. Material reproduzido da empresa Wishplanner. (Marcos Michael/VEJA)

Os bullet journals estão reabilitando até a decadente indústria das agendas tradicionais com a produção de cadernos semipreparados, os chamados planners, que já vêm divididos por períodos, com marcadores, quadradinhos de checagem, listas e tabelas impressas e mensagens motivacionais para estimular os desanimados. Na editora Thomas Nelson, o produto campeão de vendas é o Meu Plano Perfeito, voltado para o público evangélico. Nele há espaços dedicados ao trabalho, aos cuidados da casa, aos relacionamentos e, claro, à leitura da Bíblia — ele inclui até receitas para o almoço de família. “A tiragem inicial de 10 000 exemplares esgo­tou-se em um dia”, diz o gerente de vendas Samuel Coto. As pesquisas confirmam que escrever metas e compromissos é um hábito saudável. Abstrair-se do ambiente digital dá ao cérebro uma necessária pausa no excesso de estímulos que recebe. Além disso, escrever a mão ativa mais áreas do cérebro do que digitar no celular. Vida longa ao papel e caneta.

Publicado em VEJA de 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619

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