‘A máfia russa não gostou muito do meu filme’, diz Aaron Sorkin
Roteirista de ‘Steve Jobs’ e ‘A Rede Social’ estreia na direção com ‘Molly’s Game’, sobre organizadora de jogos de pôquer para celebridades e mafiosos
Aaron Sorkin chegou meio por acaso à história de Molly Bloom, uma quase campeã olímpica, formada em direito em Harvard, que comandou jogos de pôquer frequentados por famosos. Um advogado que conhecia de vista pediu que lesse o livro de uma de suas clientes. “Li e gostei. E quis encontrá-la, porque achei que era boa escritora”, explicou o roteirista em entrevista coletiva no Festival de Zurique, no qual recebeu um prêmio pelo conjunto da carreira. “Quando a conheci, tudo mudou. O primeiro encontro durou uma hora. Pedi mais uma hora no dia seguinte. E depois no outro. E no outro. E acabaram virando seis meses. Acabou que o que estava no livro era apenas a ponta do iceberg.” Para Sorkin, um dos roteiristas de maior prestígio em Hollywood, autor de filmes como A Rede Social e Steve Jobs e séries como The West Wing e The Newsroom, Molly não era a pessoa que observava um mundo povoado por celebridades, mas a protagonista da história. “Principalmente, porque ela arriscou seu próprio pescoço para não dedurar ninguém nem culpar outros, o que me parece algo raro hoje em dia.”
O que ele não sabia era que Molly’s Game se tornaria sua estreia na direção. “Sempre quero o melhor diretor possível. Depois de pensar muito e conversar com pessoas que respeito, achei que era a melhor pessoa”, disse. Por que, ele não sabe responder. “Não sou daqueles roteiristas que querem proteger seu roteiro de grandes diretores. Mas neste caso achei que havia o risco de outras partes mais cintilantes da história acabassem desviando a atenção de questões mais sensíveis.”
Na hora de escolher a atriz que viveria Molly, Sorkin não teve muitas dúvidas. “Não quero insultar ninguém, mas um ator não pode fingir inteligência, nem humor”, explicou sobre a seleção de Jessica Chastain, já cotada para o Oscar, como o próprio roteiro. “Todos os personagens que escrevo são mais inteligentes que eu. Todo o mundo na minha família era mais inteligente que eu. Todos os meus amigos. Ainda amo o som de pessoas inteligentes discordando entre si. Escrever histórias cujo conflito venha das ideias é minha versão de uma história com caubóis.”
Molly sempre fez questão de proteger a identidade dos jogadores, que incluiriam astros de Hollywood como Ben Affleck, Tobey Maguire e Leonardo DiCaprio. Sorkin procurou os envolvidos, mesmo com a identidade protegida, e mostrou o roteiro. Nenhum dos famosos ficou incomodado, segundo ele. Mas alguns elementos potencialmente mais perigosos, sim – quando Molly mudou seus jogos de Los Angeles para Nova York, acabou atraindo mafiosos russos, que chamaram a atenção do FBI. Assim começaram os problemas dela com a lei. “Os russos não gostaram muito do meu filme”, afirmou Sorkin. “Mas vivi uma vida feliz, mais longa do que as pessoas há 400 anos. E, se é para morrer, que seja nas mãos da máfia russa!”, acrescentou, em tom de piada.
Bem mais sério, ele se mostrou pouco preocupado em seguir os pedidos de não ofender os eleitores de Donald Trump, “que compram ingressos também”. Ele usou palavras duras ao comentar o assassinato em massa em Las Vegas: “Acho que não dizer nada por causa da bilheteria faz com que eu seja um pouco culpado na próxima vez que alguém levar um tiro. Um pouco de culpa recai em todos que não disserem nada. Temos uma epidemia nos Estados Unidos que não existe em nenhuma parte do mundo, esses assassinatos em massa sem sentido com armas fabricadas com o único objetivo de matar o máximo de pessoas no menor tempo possível. Não são armas com as quais as pessoas se defendem se houver um intruso em sua casa. Ou para caçar. São armas de guerra. Temos muitos deputados e senadores covardes cuja coragem está no bolso da NRA (National Rifle Association, ou Associação de Rifles Americana), o grupo lobista para assassinos nos Estados Unidos. Pronto, tenho certeza de que irritei muitos espectadores num único dia”.