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“A dor do vitiligo é solitária”, diz ex-modelo com a condição

Milena Satyro relata como superou o choque do diagnóstico da doença de pele

Por Cilene Pereira Atualizado em 4 jun 2024, 12h06 - Publicado em 1 Maio 2022, 08h00
Milena Satyro -
Milena Satyro – (Alex Takaki/.)

A primeira mancha esbranquiçada apareceu na perna direita quando eu tinha 27 anos. Havia ido à praia um pouco antes e achei que fosse micose. Quando procurei uma dermatologista, ela me disse que era vitiligo, doença autoimune que não tem cura. Fiquei desesperada quando ouvi isso. Procurei outros médicos e o diagnóstico foi o mesmo. Havia começado a trabalhar como modelo aos 14 anos e a estética sempre foi importante para mim. Sou muito vaidosa. Mas, até então, as manchas estavam em áreas do meu corpo que não ficavam à mostra. No entanto, depois de um tempo, passei uns dias na praia e vi que elas tinham aparecido nas minhas mãos, no meu rosto, no corpo todo. Estava completamente manchada. Entrei em choque. Eu me olhava no espelho e não me reconhecia. Senti muito medo e a falta de informação era absoluta. Tentei fazer todos os tratamentos possíveis e me valia do que havia à mão para esconder os pontos sem pigmentação. Usava autobron­zea­dor e me pintava inteira, além de ouvir o que as pessoas me diziam na esperança de encontrar algo. Muita gente me parava nos lugares para falar de coisas que teriam sido eficazes. Uma vez, um rapaz me viu na praia e me contou que havia se curado com uma poção de ervas preparada por uma mulher em Mato Grosso. Depois, descobri que muita gente usava as tais ervas e acabava apresentando graves problemas no fígado por causa disso.

É muito cruel o que acontece com quem tem vitiligo, principalmente por causa da ignorância a respeito da doença. Muitas pessoas veem você na rua e cutucam umas às outras, apontam em sua direção, simplesmente te param e perguntam o que é. Os pacientes acabam não saindo de casa, crianças e adolescentes sofrem bullying. É muito triste. O fato é que a dor do vitiligo é solitária. Às vezes, ouvimos coisas do tipo “se a doença não mata, então está tudo bem”. Consegui aceitar o que estava havendo com meu corpo durante um processo longo e complicado. Fiz um mergulho profundo para entender e superar a situação. Agora eu me amo do jeito que sou e acho que sou uma pessoa melhor. Tenho 42 anos, sou empresária e 70% do meu corpo é despigmentado. Sempre que passo por alguma situação associada à doença, eu a uso como oportunidade para transmitir informação. No ano passado, quando entrei em uma piscina, uma criança que estava na água gritou para a mãe que elas teriam de sair. A piscina parou e todos olharam para mim. Fiz questão de chamar a criança e explicar a condição. Ela perguntou se poderia me tocar. Tinha medo de que fosse contagioso. Quando disse que a enfermidade não é contagiosa, ela chamou a mãe para que ambas vissem meu corpo mais de perto. Falei em um tom de voz alto o suficiente para que todos os que estivessem por perto pudessem ouvir.

É fácil entender quanto é importante dar informação às pessoas sobre as doenças de pele, que precisam ser mais divulgadas. Quando todos entendem do que se trata, tudo fica mais tranquilo. Hoje, trabalho para dar orientação e conhecimento por meio do projeto Uma Questão de Pele, cujos objetivos são fornecer informações, histórias e serviços a quem tem a doença e contribuir para o respeito à diversidade. Junto com os irmãos Marília e Fábio Meirelles, fizemos um curta — Shed Some Light, Jogar Luz, em português — que acabou de estrear e conta com a participação de pessoas relatando suas histórias. Luto também para determinar a data de 25 de junho como o Dia Nacional do Vitiligo. É o dia da morte de Michael Jackson, que tinha vitiligo. Um dia dedicado à doença dará mais visibilidade ao tema. Quanto mais souberem, menos preconceito haverá e teremos uma sociedade mais empática.

Milena Satyro em depoimento dado a Cilene Pereira

Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787

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