A cafonice já era
A carreira de Sig Bergamin é um carbono das mudanças da vida dos ricos, que trocaram as casas pelos apartamentos e já não querem o estilo “perua velha”

O ofício se assemelha ao de um estilista de alta-costura, em que cada item é pensado ao gosto do cliente. Com uma notável diferença: o valor final da decoração de uma casa ou de um apartamento resulta infinitamente mais salgado do que o de um vestido de festa. Inspirado no estilo art déco da Hollywood dos anos 1940, Sig Bergamin desenhou dois coqueiros feitos de latão para adornar as pontas de um sofá meia-lua da sala de Lianinha Moraes e Guilherme Prado, do Grupo Votorantim. As pias dos lavabos da casa de Trancoso de Vera Diniz, da família fundadora do Grupo Pão de Açúcar, são feitas a mão, de cerâmica, com dois canários em tamanho real. Todos os sofás, tapetes, camas e aparadores são desenvolvidos sob medida. “Não gosto de itens prontos, fica com cara de showroom”, diz Bergamin. “É preciso impacto visual. Ninguém repara numa mulher comum. As bonitas e feias viram assunto.”
Bergamin lança em novembro Maximalism, pela Assouline (450 reais). É a primeira vez que a editora de luxo francesa publica obra dedicada a um decorador. O livro mostra projetos deslumbrantes para algumas das famílias mais ricas do Brasil. Apaixonado por cores e texturas, Bergamin viaja para comprar matéria-prima no Marrocos, Índia, China, Itália e Inglaterra. Ele não cobra porcentagem por objeto, mas um valor pelo conjunto da decoração — varia de 70 000 a 500 000 reais. São até quinze projetos ao mesmo tempo. Há quem gaste 10 milhões de reais em mobiliário e louças, além das obras de arte.

Formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos na metade dos anos 1970, Bergamin assistiu às mudanças comportamentais nos humores do universo de luxo. A primeira constatação, que sua obra acompanhou: a falta de segurança tirou a clientela das mansões e a levou para apartamentos — caso de Liana e José Ermírio Moraes, também do Grupo Votorantim, que estão nos preparativos finais do tríplex para onde vão se mudar, em São Paulo. “O Morumbi virou cenário-fantasma”, diz Bergamin, sobre o bairro paulistano.

Hoje, 70% dos projetos são realizados em apartamentos. As casas, em sua maioria, são de campo ou de praia. A segunda descoberta, também filha da insegurança: mais pessoas estão montando residência fora do Brasil. “Metade dos meus trabalhos hoje é feita em cidades como Miami”, conta. O próprio Bergamin tem casas em Paris, Nova York, São Paulo e Trancoso (“todas declaradas”, avisa). Onde quer que seja, aqui ou acolá, deu-se uma boa-nova no gosto da elite nacional: ele diz que o estilo “perua velha”, que adere às tapeçarias do século XVIII e às cadeiras faustosas, virou cafonice pura.
Nem tudo, ressalve-se, foi luxo na vida de Bergamin. Aos 10 anos, ele foi até a Lojas Pernambucanas de Mirassol, cidade do interior de São Paulo onde nasceu, para comprar 80 metros de chita e dar um upgrade aos móveis de sua residência. O pai detestou o que viu e avisou ao filho que não pagaria as prestações da loja. Ele, então, engraxou sapatos na praça da cidade para saldar a dívida. Seu pai lhe deu uma surra quando descobriu. Casado há quatro anos com o também arquiteto Murilo Lomas, Bergamin tem um temperamento forte e festeiro. Detalhista, já pediu a uma cliente que trocasse a localização da porta feita por um profissional concorrente cujo trabalho não julgou benfeito. Fica manso mesmo é com suas cachorras. Na mesa de seu escritório, há duas caixas com as cinzas de Ásia (fêmea de buldogue francês) e América (labradora), recentemente falecidas. Diz muitos “nãos” para pessoas cheias de dinheiro que carecem de algo que fortuna alguma compra: a simpatia. “Se não gostaria de tomar um drinque com o casal, digo estar muito ocupado”, resume. Tudo para que, parafraseando o verso de Bob Dylan, ao final se conclua: “It’s not a house, it’s a home” (Não é uma casa, é um lar).

Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604