Vinícolas ganham terreno no norte da Europa, com clima cada vez menos frio
Enquanto isso, os vinhedos da França e da Itália penam com o aquecimento global

Sempre delicadas e sujeitas às variações do clima, as safras de vinhos da França e da Itália, campeãs mundiais de tintos, brancos e espumantes de alta qualidade, estão enfrentando uma tremenda ressaca: por causa do aquecimento global, ondas de calor, a seca, a fumaça dos incêndios florestais e as geadas fora de hora azedam a produção de rótulos premiados há seculos. As mesmas e implacáveis mudanças climáticas que ora torram, ora inundam, ora gelam as videiras no Sul da Europa, porém, fazem jorrar vinho no extremo oposto do continente — as regiões próximas ao Círculo Polar Ártico. Estimuladas pela contínua alta dos termômetros, que torna os verões mais amenos e os invernos menos enregelantes, Suécia, principalmente, mas também Dinamarca e Noruega estão investindo como nunca na expansão de suas vinícolas, sonhando um dia alcançar as condições — e o insuperável sabor — da bebida amadurecida na outra ponta da Europa.
A multiplicação dos vinhedos no norte começou para valer em 2010, fruto da boa adaptação às condições locais da solaris, variação criada pelo Instituto de Aperfeiçoamento de Uvas de Freiburgo, na Alemanha, capaz de resistir a oscilações extremas de temperatura e com boa resistência contra fungos. “As primeiras mudas mostraram que o cultivo era possível e, de lá para cá, os viticultores suecos têm conseguido comemorar boas colheitas todos os anos”, diz Sveneric Svensson, presidente da Associação de Vinhos da Suécia. A associação contabiliza 43 vinícolas comerciais e 126 amadoras fincadas em uma área de 200 hectares em todo o país — nada mau para quem não produzia uma gota de vinho havia vinte anos. O fenômeno se repete na Dinamarca, que conta hoje com mais de 100 vinhedos comerciais e uma região, o vale glacial ao redor da cidade de Dons, com certificação de origem emitida pela União Europeia. Agora é a Noruega que se arrisca na mesma trilha, com doze vinícolas — uma delas, Slinde, a mais setentrional do continente.

A indústria de vinho nas proximidades do Ártico ainda está longe de fazer frente aos rótulos seculares da Europa, que têm cerca de 10 milhões de hectares de vinhedos, três quartos situados na Itália, Espanha e França. Além disso, a ausência de subsídios (que alcançam bilhões de euros nos produtores tradicionais), a escala reduzida e o alto custo da mão de obra encarecem muito o “vinho do Ártico”. O caminho, no entanto, é promissor. A combinação de dias mais longos — até 25 horas a mais de luz solar por semana no alto verão — e temperaturas baixas fazem com que os vinhos brancos e espumantes produzidos sobretudo com a uva solaris acumulem prêmios de qualidade. “Nosso clima contribui para um nível de acidez difícil de alcançar em outros lugares”, disse Svensson a VEJA. À medida que a produção ártica se expande e se aperfeiçoa, as safras dos produtores tradicionais não param de encolher. “Enquanto tivemos no ano passado a melhor colheita de todos os tempos, no resto da Europa foi um desastre”, compara o enólogo sueco Claes Bartoldsson.

Segundo dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), a produção na União Europeia em 2021 sofreu um declínio de 8% em relação a 2020 e ficou 5% abaixo da média dos últimos cinco anos, consequência principalmente das geadas tardias que atingiram a França em abril. Nesse país, o baque foi maior: queda de 19% em relação ao ano anterior e de 14% frente à média dos últimos cinco anos. Se o aquecimento global não for contido, alertam os especialistas, em cinquenta anos o clima no norte da Europa será semelhante ao do norte da França hoje e o mapa global do vinho pode vir a sofrer drásticas alterações. “As mudanças climáticas não só podem como já estão provocando alterações significativas nas vinícolas ao redor do mundo e trazendo preocupação aos grandes produtores”, explica a enóloga Míriam Aguiar. Fica o aviso para os amantes de um bom vinho: preparem-se para expandir seus horizontes.
Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811