Viajar pode ajudar a frear o envelhecimento, diz novo estudo
Pesquisa abre uma outra janela para a ciência da longevidade

O primeiro registro escrito de que se tem notícia sobre o envelhecimento data de 2500 a.C., quando o poeta e filósofo egípcio Ptahhotep se pôs a refletir sobre a passagem do tempo e definiu o perturbador processo como algo penoso. Muitos giros da história depois, alquimistas da Idade Média se empenharam, da Europa à China, em buscar o mítico elixir da vida longa, um conjunto de substâncias que conteria os segredos do rejuvenescimento e, para os mais otimistas, até da imortalidade. Com os saltos diversos que a ciência deu, a conversa agora entre as mentes inovadoras é unir medicina e tecnologia para encontrar modos de fazer a humanidade viver mais e melhor. Eis que, em meio à vasta investigação para esticar a existência, despontou no cenário um ângulo novo e inesperado para a questão que perpassa tantas civilizações. Dentre os hábitos modernos, descobriu-se que viajar é uma valiosa ferramenta para frear o trajeto que inexoravelmente leva às cabeças brancas.
O pioneiro estudo, conduzido pela Universidade Edith Cowan, na Austrália, mergulhou no tema e averiguou o quanto pôr o pé na estrada, de ônibus, carro, navio ou avião, tem o poder de interferir em processos biológicos, contribuindo para a juventude. Há décadas, a ciência já desvendou que envelhecer é resultado da perda de impulso numa engrenagem vital — a da replicação celular no organismo, um movimento ao qual a biologia dá o nome de entropia. O minucioso levantamento de agora, que juntou num mesmo laboratório biólogos, médicos e especialistas em turismo, percorreu vários cantos do planeta atrás de viajantes em plena ação, medindo suas taxas metabólicas e respostas imunológicas. E não deu outra: o turista que se embrenha em um roteiro prazeroso, que o descole da rotina e lhe abra a visão, é beneficiado por uma ebulição nas células que leva justamente à sua regeneração, o que acaba por contribuir para o equilíbrio tanto físico como mental. “Embora o envelhecimento seja irreversível, viajar pode retardá-lo e melhorar nossa saúde geral”, explicou a VEJA Fangli Hu, coordenadora da pesquisa.

Fazer as malas é atividade que envolve várias interações altamente recomendadas pela ala de estudiosos que se atém ao envelhecimento, como contato com culturas distintas e com a natureza, além de proporcionar um rico aprendizado, assimilado por meio da experiência. Os benefícios ficam cravados na estrutura do cérebro. “Mergulhar em culturas e lugares desconhecidos pode favorecer a neuroplasticidade, aquela capacidade cerebral de se adaptar e absorver o novo, mitigando, inclusive, sintomas de depressão e ansiedade”, esclarece a médica Thaís Bento Lima, da USP. O leque de efeitos de um roteiro pleno em estímulos e beleza traz, qualquer que seja a idade, variadas sensações, como as que descreve o arquiteto Paulo Roberto de Freitas, 62 anos, que adora passar por um check-in e estufa o peito ao contar os 58 países carimbados no passaporte. “É o que me mantém em forma e me traz felicidade intensa”, diz. Cada novo destino explorado impõe um desafio para o organismo, que não se queixa — ele é inundado, afinal, de neurotransmissores de prazer, um poderoso mecanismo de proteção imunológica e antiestresse.
Há tempos se sabe que viajar transcende o lazer e o descanso, elevando a capacidade criativa e cultivando uma mentalidade menos resistente ao terreno em que nunca se pisou. E não é apenas a partir do momento do desembarque em solo novo que o cérebro começa a sentir o impacto da aventura. Uma pesquisa da Universidade de Breda, na Holanda, mostra que mesmo na etapa do planejamento — a escolha do destino, dos hotéis e das preciosidades a visitar — os índices de felicidade dos entrevistados sobem 65%. É aí que o sistema imunológico embala na produção de endorfina, que traz prazer e bem-estar. No regresso, os níveis de satisfação seguem altos, insuflados por memórias valiosas. “Depois de uma boa viagem, sempre volto para casa mais leve e com um olhar diferente sobre o cotidiano”, conta a psicanalista Ana Paula Gomes, 58 anos, para quem é essencial cruzar fronteiras e imergir em distintos modos de vida, sempre aprendendo com eles.

Se os ventos sopram a favor dos viajantes em quase tudo, há situações em que os pontos positivos evaporam diante de jornadas longas e exaustivas, às vezes permeadas de estresse e insegurança. Nesses casos, alertam os australianos da Universidade Edith Cowan, alçar voo mundo afora embute o risco de ter efeito oposto — ou seja, o organismo é submetido a um patamar de tensão que sobrecarrega o sistema imunológico, revertendo os ganhos iniciais. “A chave está justamente em optar por planos de viagem que melhor se adaptem ao estilo, às preferências e ao estado de saúde de cada um”, recomenda a pesquisadora Fangli Hu.
O mesmo estudo sublinha o potencial revigorante de explorar cartões-postais fartos em natureza, frequentemente distantes do nervoso dia a dia dos centros urbanos. Esses locais, que se encaixam no escaninho do turismo pró-saúde e bem-estar, ascendem no rol de escolhas para as férias, que, como se vê, podem significar muito mais que uma simples pausa. Já dizia com certeiras palavras o escritor americano Henry Miller, ele próprio um viajante que chegou a fazer de Paris sua casa nos efervescentes anos 1930: “O nosso destino nunca é um lugar, mas uma nova maneira de olhar as coisas”.
Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938