Trabalho remoto leva onda de ricaços a se transferir para o Havaí
Resultado: os mais altos custos registrados em todo o estado
Em um primeiro momento, a pandemia foi um golpe desastroso para o Havaí: no estado americano em que um quarto da receita vem do turismo, a pausa nas viagens resultou em hotéis, restaurantes e parques fechados e um êxodo de trabalhadores desempregados na direção do continente. Passado o primeiro impacto, porém, o arquipélago no Pacífico se reinventou como destino paradisíaco — e ainda por cima pertinho — para a mão de obra da Costa Oeste que se enclausurou no trabalho remoto e, em paralelo, para os bilionários que empregam esse pessoal. E eis que o preço das moradias, que nunca foi baixo, disparou a tal ponto que o Havaí ostenta agora o incômodo título de mais elevado custo de vida nos Estados Unidos, batendo Nova York e Califórnia. “Sempre incentivamos as pessoas interessadas em uma experiência autêntica a vir para cá e viver como um local, mas a mensagem passou a ser interpretada como ‘Mude-se para cá e se torne um local’”, lamenta Chris Kam, presidente do instituto de pesquisa OmniTrak, de Honolulu.
O vilão da escalada do custo de vida é, de longe, a casa própria (e seu contraparente, o aluguel). Do fim de 2019 ao começo de 2022, período que abarca o planeta entorpecido pela pandemia, o preço médio de uma casa de família em Oahu, a ilha onde fica a capital, Honolulu, e onde mora a maioria da população, saltou de 790 000 dólares para 1,15 milhão. No ano passado, um quarto dos imóveis comercializados no estado foi para as mãos de gente de fora disposta a pagar fortunas sem sequer se dar ao trabalho de visitar antes a propriedade — o prazo médio entre oferta e venda é atualmente de dez dias. Com a invasão estrangeira e seu efeito no mercado imobiliário, a crise de moradias no Havaí, que já era grave, se intensificou. Os salários da classe média não mais permitem a compra de casa própria e, segundo dados do Censo, 55% dos inquilinos havaianos estão enterrando ao menos 30% da sua renda no aluguel. “Vemos médicos, engenheiros e professores indo para lugares mais baratos. E nós precisamos deles aqui, se quisermos progredir coletivamente”, alerta Talitha Liu, diretora da ONG Housing Hawaii’s Future.
Puxando a fila dos “novos havaianos” estão os bilionários — no último ano, o número de mansões adquiridas por mais de 10 milhões de dólares cresceu seis vezes. A lista é portentosa. Das escrituras de imensas propriedades nas ilhas havaianas constam os nomes dos fundadores de eBay, Starbucks, PayPal, Oracle e Salesforce. Mark Zuckerberg, o gênio do Facebook (hoje Meta), comprou há dez anos um pedação de terra na Ilha de Kauai e nestes últimos tempos, em casa por causa do isolamento social, aproveitou para expandir seus domínios — já investiu um total de 170 milhões de dólares em compras. Para acalmar os vizinhos, que reclamam da gana aquisitiva e dos altos muros, espalha doações pelo arquipélago — entre elas 50 milhões de dólares para a Universidade do Havaí, a maior já vista por lá. Jeff Bezos, da Amazon, adquiriu recentemente uma megamansão na ponta sul da Ilha de Maui, a mesma onde a apresentadora Oprah Winfrey tem seu pequeno reino. Elon Musk, o mais rico de todos, famosamente não compra casa própria, mas está investindo no centro de wellness e economia sustentável que o amigo Larry Ellison, da Oracle, desenvolve em Lanai (ele abocanhou 98% da ilha em 2021, pela pechincha de 300 milhões de dólares).
O preço das moradias no Havaí não é o mais alto do país — a média chega a 1,5 milhão de dólares em San Francisco e explode em 2,3 milhões em Manhattan. Mas ao milhão para arrematar uma casa soma-se o valor excepcionalmente elevado de quase todos os artigos, do litro de leite aos automóveis, e está feito o cálculo do mais salgado custo de vida do país. Uma consulta médica, por exemplo, sai 65% a mais do que no continente e a conta de energia no fim do mês é o dobro da de Nova York, fatores que suprimem a vantagem de a renda média local ser 20% acima da americana. “Esse problema existe desde antes da pandemia e da inflação atual”, explica Gavin Thornton, diretor-executivo da Hawaii Appleseed, ONG que ajuda pessoas de baixa renda com questões legais relacionadas à moradia. “Como comunidade, precisamos determinar que pessoas que trabalham quarenta horas por semana têm de poder pagar por sua moradia, através de aumento de salários ou de investimentos governamentais.” Nesse sentido, a Câmara Municipal de Honolulu aprovou o orçamento do ano fiscal 2021-2022 com foco em projetos de casas acessíveis para pessoas de baixa renda. Terá de agir rápido, senão Zuckerberg vai lá e compra o terreno.
Publicado em VEJA de 14 de setembro de 2022, edição nº 2806