Soluções cada vez mais absurdas para aperfeiçoar a pele tomam conta das redes
Por trás da metamorfose, escondem-se riscos para a saúde, como já alertam especialistas
“Quanto mais feia você vai dormir, mais bonita vai acordar.” A máxima pode parecer bizarra, mas está ganhando força nas rotinas de cuidados com a pele nas plataformas da internet, especialmente o TikTok. A tendência foi apelidada de morning shed, expressão em inglês para designar a postura de mulheres que se empetecam de produtos e acessórios antes de dormir e se desmontam logo pela manhã. O objetivo? Transformar-se como num passe de mágica, da noite para o dia, a fim de ficar com o rosto (ou outra parte do corpo) mais bonito — de acordo com o padrão das redes sociais, convém frisar. Para isso, são convocados cremes antienvelhecimento, adesivos contra rugas e olheiras, máscaras faciais, fitas tensoras e outros artigos que prometem rejuvenescimento e traços mais finos, em um suposto efeito Cinderela que conquista fãs mundo afora. Por trás da metamorfose, porém, escondem-se riscos para a saúde, como já alertam especialistas.
Não é de hoje que a busca incessante pela beleza dita regras e modismos, mas a velocidade com que os fenômenos estéticos entram e saem do radar das telas é assombrosa. Na guerra pela atenção, ainda que efêmera, posts e influencers desmerecem medidas e procedimentos clássicos e apelam para o uso e abuso de expedientes que, muitas vezes, não têm comprovação de eficácia e segurança. Nesse ritmo, o que parece inovador hoje se torna ultrapassado amanhã, e o ciclo continua. Há todo um mercado de soluções lucrando a cada trend, e isso é maximizado com o tal do morning shed, que parte da premissa de que, quanto mais recursos você usa, melhor ficará. “As redes sociais não apenas divulgam esses produtos como criam uma sensação de urgência, em que tudo precisa ser imediato e exagerado”, diz a dermatologista Mayla Carbone, da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). “Assim, as pessoas investem em práticas de curto prazo sem pensar no custo real, inclusive para a saúde da pele.”
Os posts no TikTok (veja os exemplos) dão uma amostra de até onde vão a criatividade e o abuso. Meninas montadas com toucas, loções, máscaras e afins. Parece brincadeira, mas não é. Há muita gente desembolsando horrores para se produzir para a madrugada. “Ocorre que não há evidência científica de que esses procedimentos realmente funcionem”, afirma Mayla. Na vida real, em vez do rosto de princesa, alimentam-se falsas expectativas. Não bastasse, existem perigos em jogo: as manobras em demasia corrompem o estado e o funcionamento natural da pele.
O grande e imenso porém reside no fato de que a rotina de intervenções mina o descanso natural que se espera do organismo na calada da noite, prejudicando a renovação celular. Nesse contexto, o uso exacerbado de pomadas e acessórios é capaz de obstruir poros e causar irritações. Pior: pode-se comprometer a chamada barreira cutânea, uma camada que defende a pele de infecções, poluentes e outros enroscos. A utilização indiscriminada tampouco respeita um dos pressupostos básicos da dermatologia moderna. “As pessoas querem soluções rápidas, mas ignoram se o produto é adequado ao seu tipo de pele, o que pode causar efeitos adversos”, diz Mayla. A manipulação de ácidos retinoicos, por exemplo, pode gerar inflamações e descamações fora de controle.
Não tem milagre: para ter uma pele bonita e saudável, o melhor conselho é se dedicar a uma rotina de limpeza, hidratação, retirada de maquiagem e banho em temperatura morna, entre outras recomendações dadas de forma individualizada pelo dermatologista, a depender da oleosidade e de outras características da pele. “Menos é mais: um bom hidratante, o protetor solar e produtos específicos, prescritos de acordo com a necessidade, são mais eficientes que a superexposição a tratamentos agressivos”, defende a médica da SBD. A sanha das redes sociais, movida a curtidas e compartilhamentos, pode apontar o contrário, mas a cartilha da estética não combina com o clima de vale-tudo.
Publicado em VEJA de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921