Em 21 de março de 1899, os irmãos Louis e Auguste Lumière, pioneiros da arte cinematográfica, exibiram filmes, em uma tela grande, para 250 espectadores atônitos no Eden Théatre, em Paris. Foi a primeira vez que imagens em movimento encantaram multidões. Desde então, o cinema se tornou uma das principais, senão a maior de todas, fontes de diversão para pessoas do mundo inteiro. Ao longo da história, não foram poucas as vezes que algum especialista apressado decretou o fim das telonas. Primeiro, com o advento da televisão, que faria sucumbir, na visão dos pessimistas, a paixão pela sétima arte. Depois, disseram alguns, a onda dos streamings certamente acabaria com as velhas películas. Nada disso se confirmou e os cinemas continuaram firmes em sua missão de entreter os fãs. Agora, porém, o mercado vive um movimento diferente. Não é que os filmes vão acabar, mas cada vez mais eles dividirão espaço nas salas de exibição com outras atrações.
Para driblar os efeitos nefastos da pandemia, que afastaram o público e limitaram o número de lançamentos dos grandes estúdios, as empresas do ramo foram em busca de soluções capazes de fisgar novas audiências. E elas responderam à altura. Recentemente, salas da rede Cinemark espalhadas por dez estados brasileiros lotaram ao transmitir em seus telões a final da Liga Brasileira de Free Fire, jogo de celular que bateu a marca de 1 bilhão de downloads e consiste em uma disputa para ver quem é o último sobrevivente em uma arena.
Não é só isso. As novidades incluem projeções de shows, e alguns dos principais sucessos de público são as apresentações do grupo sul-coreano de K-pop BTS. Também há pouco tempo, o show Permission to Dance on Stage entrou na programação de redes brasileiras poucas horas após a performance original, em Seul. “Essas exibições funcionam de um jeito diferente do cinema tradicional porque são ao vivo e, portanto, únicas e irreprodutíveis”, afirma Adhemar Oliveira, diretor de programação do circuito Itaú Cinemas. Segundo ele, o objetivo dos eventos é criar um clima muito diferente daquele com que o frequentador do cinema está acostumado, o que é algo bastante positivo.
As empresas, de fato, estão reinventando seus espaços. Outra aposta é aproveitar o escurinho do cinema para oferecer experiências imersivas aos espectadores. Um exemplo recente é o evento Gamer Night Uncharted, planejado para agradar aos fãs da saga de games Uncharted, que recentemente ganhou filme homônimo. Segundo a rede Cinemark, a experiência envolve ingresso colecionável, pôster, adesivo e outros conteúdos especiais. “Esses conteúdos são esporádicos e trazem um novo perfil de público”, explica Patrícia Cotta, gerente nacional de marketing do Kinoplex.
Não significa, ressalte-se, que os filmes vão sair da programação dos cinemas. Blockbusters, como são chamadas as produções de grande orçamento e interesse do público, continuam arrecadando muito dinheiro e atraindo os fãs. Lançado há pouco, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa arrecadou quase 2 bilhões de dólares, 55 milhões apenas no Brasil. O problema é que as salas estão cada vez mais dependentes desse tipo de produção. A estreia de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, a mais recente produção da Marvel, monopolizou os espaços das grandes redes. Enquanto isso, cinemas tradicionais de rua, como o Belas Artes, em São Paulo, precisaram fazer campanhas de financiamento coletivo para sobreviver à pandemia. No fim de abril, o anexo do Espaço Itaú, também em São Paulo, anunciou seu fechamento após trinta anos para dar lugar a um prédio residencial. Ainda assim, é certo que os cinemas resistirão. Mais de um século depois dos irmãos Lumière, as telonas continuam insubstituíveis.
Publicado em VEJA de 25 de maio de 2022, edição nº 2790