Revolução índigo: símbolo de rebeldia e juventude, o jeans faz 150 anos
Trata-se da mais firme, duradoura e democrática peça do vestuário para qualquer gênero
O estilista Yves Saint Laurent, que alinhavava a história da moda como ninguém era capaz, foi direto ao ponto ao dizer que gostaria de ter inventado o jeans: “Ele tem expressão, modéstia, apelo sexual e simplicidade, tudo o que espero de minhas roupas”. Tem tudo isso e o caminhar da civilização impregnado em seus fios. A calça de tecido índigo — embora nem sempre nessa tonalidade — é a peça do vestuário que, além de ser unanimidade no mundo, usada por qualquer faixa etária, gênero e classe social, foi marco de trabalho, revolta, amores e dores, além de democracia.
Patenteado em 1873, há exatos 150 anos, pelo alemão Levi Strauss e pelo alfaiate Jacob Davis, nos Estados Unidos, o modelo azul, feito de denim — tecido robusto que surgiu em Nîmes, na França, em 1792 — com costuras duplas e rebites de cobre reforçados, foi criado como uniforme para resistir ao árduo trabalho dos mineradores. Assim, nasceu a Levi Strauss & Co. — ou a Levi’s e seu primeiro modelo, o jeans 501®. Continuou como roupa de trabalhadores, firme e forte, até os anos 1930, ao aparecer em filmes do Velho Oeste, vestindo caubóis como John Wayne.
Mas o sucesso global brotou na década de 50, quando a calça jeans foi associada à juventude rebelde, popularizada pelos bad boys do cinema, James Jean e Marlon Brando. “Foi um ponto de virada da cultura do vestir”, diz Brunno Almeida Maia, pesquisador em filosofia e teoria de moda pela Unifesp. Depois vieram Elvis Presley, Marilyn Monroe e Brigitte Bardot, e ao manifesto de comportamento somou-se o glamour. Entre 1960 e 1970, era sinônimo de protesto e contracultura nos movimentos punk e hippie. Nos anos 1980 e 1990, rasgar a calça, com a pele à mostra, era um grito de atitude de astros do rock, a exemplo de Kurt Cobain. E, como nem tudo sempre é briga, houve necessidade de gotas de sensualidade — Brooke Shields, aos 15 anos, jogou as pernas para cima e a cabeleira para trás em célebre anúncio da Calvin Klein. Na roda da reinvenção, os anos 2000 levaram o jeans para as coleções de prêt-à-porter de luxo e alta-costura das maisons Dior, Versace e Dolce&Gabbana. Das passarelas foi para as ruas, disseminado por supermodelos como Gisele Bündchen, que pagam caro para parecer despojadas. O jeans, insista-se, ajuda a contar a passagem dos anos, numa linha do tempo sem preconceitos nem amarras de tendências. É universalização que garante a força econômica do artigo.
O Brasil, nesse aspecto, é uma potência, no posto de segundo maior polo industrial e consumidor de jeans do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. A movimentação brasileira em 2022 chegou a 26,5 bilhões de reais. É mercado que tende a crescer, por estar permanentemente atrelado aos humores da sociedade, aos imperativos do zelo com o ambiente (durável e sustentável) e aos cuidados com a inclusão social (há modelos baratos e bons). O jeans pode tudo. “É resistente, tanto pelo próprio material como pelo apelo político”, afirma Brunno Maia. O jeans sobreviverá por muitos anos, em eterna mutação.
Publicado em VEJA de 8 de março de 2023, edição nº 2831