Quarenta anos depois, vestido de noiva de Madonna segue em alta na moda
Figurino reaparece em inúmeras celebrações, agora menos ruidosas
Foi em 14 de setembro de 1984, estreia do MTV Video Music Awards, nos Estados Unidos. A premiação da então novata emissora dedicada a videoclipes o dia todo, fundada três anos antes, estava com problemas para convencer grandes nomes do show biz a participar da transmissão. O maior trunfo era a iniciante Madonna, de 26 anos, que já tinha gravado um álbum, mas estava longe de ser reconhecida como a diva em que se transformaria. Para causar efeito bombástico, a cantora decidiu lançar Like a Virgin no evento. Queria levar um tigre-de-bengala ao palco, mas a bizarra ideia foi vetada, graças a um santo sensato.
O plano B acabou dando origem a um dos mais icônicos momentos da televisão americana e mundial. Madonna surgiu vestida de noiva, cheia de crucifixos e com um cinto em que se lia boy toy (brinquedo de menino), saindo de um enorme bolo de casamento. “Quando desci as escadas muito íngremes, meu sapato de salto agulha caiu”, disse em entrevistas posteriores. Segundo ela, foi por isso que se jogou no chão, em uma tentativa de recuperar o sapato. “Fingi que estava programado, fazendo parecer uma coreografia.” Para alimentar o escândalo, o vestido levantou e deixou a calcinha da cantora à mostra.
Naquele momento, há exatos quarenta anos, enquanto espectadores se deleitavam e conservadores esperneavam, nascia a rainha do pop, e o mundo nunca mais seria o mesmo. Aquele modelo foi copiado, reinventado e reinterpretado de todas as formas possíveis e imagináveis. O corte da noiva serviu de referência nas passarelas de grifes de luxo, como a do britânico Alexander McQueen. Foi apropriado por movimentos feministas, em looks com a lingerie à mostra. E, claro, virou fantasia de Carnaval. Outras estrelas pop, como Jennifer Lopez, Britney Spears e Christina Aguilera, fizeram homenagens à diva e se vestiram como no altar de Madonna — as duas últimas, na própria premiação da MTV, quando foram beijadas na boca pela rainha, a roubar a cena. No Brasil, não deu outra, e vestiu corpos como o de Yasmin Brunet.
A provocação de Madonna, reafirme-se, serviu a duplo propósito: incomodar a sisudez e alimentar uma indústria, a do entretenimento colado a espetáculos, que viriam a servir de fonte de renda dos artistas com a inovação imparável do streaming. Prince, na MTV, mostrou o derrière em 1991. Britney dançou com uma cobra píton em 2001. Lady Gaga surgiu com um vestido feito de carne crua em 2010. Mas ninguém produziu tanto estardalhaço quanto a figura original. “Foi um ato revolucionário”, resume a estilista Lethicia Bronstein. “Ela escolheu o vestido de noiva para dar seu primeiro grito feminista.” Direto ao ponto: de um símbolo de pureza e virgindade, fez-se o avesso, um grito de liberdade a derrubar os muros do rigor e das ideias antigas. Naquela época, as mulheres divorciadas, que tinham perdido a virgindade e que se casavam com tecidos alvos, eram massacradas. Madonna quebrou o tabu.
É preciso lembrar que ela tinha sido criada em um ambiente doméstico religioso. O rompimento, portanto, foi público, mas também familiar — e haja coragem para pendurar crucifixos naquele figurino de igreja, especialmente nos anos 1980, de resposta recatada aos movimentos de paz e amor que brotaram no fim dos anos 1960. Madonna, melhor do que ninguém, e ninguém mais como ela, soube (e ainda sabe) usar a moda como um poderoso meio de comunicação para mensagens sociais e políticas. Não é pouca coisa, um feito que merece ser relembrado na efeméride de quatro décadas. Da letra irônica de Like a Virgin: “Como uma virgem / Como uma virgem /Me sinto tão bem por dentro/ Quando você me abraça, e seu coração bate, e você me ama”.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910