Preço alto, produtividade menor… O que há de errado com o cafezinho?
Consumidores e produtores estão preocupados, mas é possível reverter o quadro
É difícil ir ao supermercado e conter o assombro com o aumento do preço de bebidas e alimentos. No caso específico do café, a disparada inflacionária é ainda mais impressionante. Para a indústria torrefadora, o aumento chegou a 155% no período de um ano. No bolso do consumidor, o impacto foi menor, mas ainda assim espantoso: o pacote do café torrado e moído ficou em média 52% mais caro nos últimos doze meses. A arrancada chama atenção diante da posição de destaque do café na economia brasileira. O Brasil é o maior produtor e o principal exportador do planeta, e o brasileiro é o segundo maior consumidor da bebida. Por essas razões, qualquer entrave na produção nacional afeta a cotação global de preços. Mas, afinal, o que há de errado com o prazeroso cafezinho brasileiro?
Primeiro, as más notícias: o preço não deve baixar tão cedo. A expectativa do setor é que se mantenha em patamares elevados por um bom período. Há vários motivos para o aumento desproporcional, mesmo se comparado com a escalada inflacionária brasileira. Para começar, a safra do ano passado foi a pior dos últimos quatro anos. A produção ficou em 47,7 milhões de sacas, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em 2020, foram 63 milhões de sacas. Para 2022, a expectativa é alcançar algum nível de recuperação, mas que será modesta.
Apesar da redução na oferta, não faltou café no mercado interno e externo. “Encontramos formas de usar a tecnologia para aproveitar melhor o frete, acomodando o café no porão de navios, por exemplo”, diz Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), organização que exportou 40,4 milhões de sacas para 122 países em 2021. No mercado interno, os blends receberam maior quantidade de conilon, grão resistente mas mais amargo. Ninguém sentiu a diferença na qualidade, tanto que o consumo não foi reduzido. Pelo contrário. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), houve crescimento de 1,7% no ano passado.
A valorização de outros tipos de grãos pode aliviar uma dificuldade que se desenha no horizonte dos produtores: a inevitável queda da produtividade em um cenário dramático de mudanças climáticas. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique, na Suíça, e divulgado na publicação científica Plos One diz que é muito provável que áreas no Brasil e na Colômbia, países de enorme tradição cafeeira, deixem de ser adequadas ao cultivo do grão arábica, associado a uma bebida de maior qualidade, até 2050. Trabalhar para que outros cultivares, mais adaptados e resistentes, sejam reconhecidos também por sua qualidade é importante. Mas é apenas parte da solução.
A agricultura, embora seja uma das grandes responsáveis pela emissão de CO2, tem a vantagem de capturar carbono da atmosfera quando boas práticas regenerativas são adotadas. E a indústria tem acelerado os planos não apenas para conservar as valiosas áreas de produção, mas também para recuperar aquelas degradadas. “O recado principal é que não estamos em uma situação irreversível, diz Taissara Martins, gerente de sustentabilidade da Nestlé. “Ainda há solução, se agirmos rápido.” A empresa assumiu o compromisso de tornar a linha Nescafé Origens do Brasil a primeira reconhecida como carbono neutro já em 2022. Isso é feito por meio de um pacote de medidas, entre sistemas agroflorestais, uso da tecnologia para aplicação precisa de fertilizantes e adoção de energia solar. Essas ações não somente zeram as emissões da produção mas, em conjunto, podem diminuir os impactos ambientais de outras etapas da cadeia, como a logística, ainda muito dependente de combustíveis fósseis. “Quando falamos em café sustentável, o Brasil deve liderar esse movimento”, diz a executiva. O bom e velho cafezinho agradece.
Publicado em VEJA de 20 de abril de 2022, edição nº 2785