Por que peças antigas e releituras de clássicos viraram tendência na moda
Tapete vermelho de grandes festas do entretenimento, termômetro do que celebridades e modelos vestem ou vestirão, confirma o retorno de modelos do passado
![EXCLUSIVIDADE - Anya Taylor-Joy (à esq.), Marina Ruy Barbosa e Zendaya: musas da nova geração escolhem o vintage pela atemporalidade de peças únicas e eternas](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/06/GettyImages-2074197023.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
Em 1935, quando vivia o auge do perfume Chanel nº 5, do vestidinho preto e de seus tailleurs de tweed, a estilista francesa Coco Chanel (1883-1971) decretou aversão ao aspecto mais descartável do mercado em que atuava. “Sou contra a moda que não dure. Não consigo imaginar que se jogue uma roupa fora só porque é primavera”, disse ela. Quase 100 anos depois, o pensamento da criadora nunca esteve tão atual e oportuno. Criações do século passado, da própria Chanel ou de outras grandes maisons, lançadas entre os anos 1920 e 1990, e interpretações de roupas icônicas e populares em outros tempos se encaixam em uma das tendências mais quentes da moda contemporânea: o vintage. Na era da tecnologia e da reprodução em escala, o valor está nos modelos do passado e no fazer artesanal da alta-costura.
O tapete vermelho das grandes festas do entretenimento, termômetro do que as celebridades e modelos vestem ou vestirão, confirma o retorno dos antigos desenhos, com pompa e circunstância. Chama atenção principalmente o apelo que essas roupas causam nas gerações mais novas. Marina Ruy Barbosa apareceu em Cannes vestindo um modelo clássico da Chanel de 1987. No Met Gala, a atriz Zendaya, a queridinha da hora, atraiu olhares para seu estonteante vestido em estilo vitoriano de alta-costura da Givenchy, desenhado por John Galliano em 1996. Anya Taylor-Joy, a Furiosa do cinema, levou à festa do Oscar uma releitura de dois dos designs mais famosos de Christian Dior, os vestidos Junon e Venus. Os originais de alta-costura, de 1949, fazem parte do acervo do Metropolitan Museum of Art, em Nova York.
![efespsixteen364921.jpg LEGADO - Exposição de Yves Saint Laurent (à esq.) e desfile de Schiaparelli: homenagem aos antigos](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/06/efespsixteen364921.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
As celebridades são as principais referências dos jovens da geração Z, que não chegaram aos 30 anos de idade. Eles resgatam peças esquecidas em brechós e nos armários das avós e ajudam a viralizar o movimento nas redes sociais. No TikTok, o tema vintage já tem mais de 20 milhões de visualizações. “Vivemos um momento de mistura de épocas, em que aumentam as experiências de casamento entre o antigo e o novo”, diz a consultora de moda Manu Carvalho. Valorizar o antigo, enfim, movimento que começou nos anos 1970 com os hippies, é um contraponto necessário ao consumismo excessivo dos dias de hoje. Dito de outro modo, e não apenas no universo do estilo: conhecer o passado é um modo de refletir sobre o futuro. “Não é apenas uma tendência, mas sim uma esteira de referências”, afirma Manu.
Também não se trata só de nostalgia, mas de um pensamento que envolve expressão de identidade, consciência global e a construção de um estilo que ecoará além das estações por meio de três pontos fundamentais para a moda atual, tão genérica e pasteurizada: durabilidade, sustentabilidade e exclusividade. Os dois primeiros, obviamente, se referem à contribuição do vintage para a chamada moda circular, já que as roupas não ficam acumulando poeira no guarda-roupa e não são facilmente descartadas. Já o privilégio da exclusividade é um recurso de marketing e divulgação, atrelado a gente famosa. Simples assim, embora quase sempre muito caro: “Quero um igual”.
Outro movimento, truque de evidente sucesso, é aparecer em eventos de grande popularidade vestindo roupas que já foram tema de conversas e cliques dos paparazzi em outras festas. O exemplo vem da atriz Sydney Sweeney, que foi vista em um evento depois do Oscar com um modelo de Marc Bouwer usado por Angelina Jolie em 2004. Não deu outra: uma enxurrada de cliques. A história resgatada foi recurso usado nas passarelas de Paris, que revisitaram as criações de estilistas de décadas passadas. De mãos dadas com a origem de tudo, a lista inclui alguns dos principais nomes da indústria, como Chanel, Dior, Balenciaga, Balmain, Schiaparelli e Yves Saint Laurent.
![GettyImages-2075075652.jpg VIDA NOVA - A atriz Sydney Sweeney: vestido usado por Angelina Jolie em 2004](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/06/GettyImages-2075075652.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
O interesse pelo antigo cresce e, junto com ele, as oportunidades de negócios. Há empresas focadas na revenda de roupas de segunda mão e brechós chiques que oferecem peças já usadas com o mesmo cuidado dispensado pelas lojas de peças novas. De acordo com uma pesquisa do Boston Consulting Group, de 2020, esse mercado é avaliado em 30 bilhões a 40 bilhões de dólares e deve crescer entre 15% e 20% ao ano. Os dados mostram que há mais gente interessada em peças de segunda mão e mais itens do tipo saindo dos brechós para os guarda-roupas dos consumidores.
Mas a questão é: vale a pena vestir de novo? Sim, vale, já que o vintage reflete a evolução da moda ao longo do tempo e garante a perenidade para as gerações futuras. Como também anunciou Coco Chanel, que sabia de corte, costura e do domínio das palavras: “A moda passa, o estilo permanece”. Que seja então um estilo à prova do tempo e à revelia de modismos que vêm e vão, por nada. Há, sim, peças com força suficiente para ser eternas enquanto durem.
Publicado em VEJA de 14 de junho de 2024, edição nº 2897