Por que a bolsa Birkin, da Hermès, se tornou objeto de desejo milionário
Há quem pague 2 milhões de reais pela versão topo de linha
Não é lenda. Em um voo de Paris a Londres, em 1983, a cantora e atriz inglesa Jane Birkin (1946-2023) atraiu olhares ao derrubar todo o conteúdo de sua enorme e estufada bolsa de palha. Entre os itens espalhados, um diário Hermès, que, por força do destino, foi recolhido e devolvido a ela pelas mãos de Jean-Louis Dumas (1938-2010), presidente da maison francesa à época. Daquele encontro nasceu a ideia do executivo de criar a Birkin, modelo lançado em 1984 que se tornaria o mais cobiçado nesse ramo de acessórios. Com quarenta anos de carreira, a bolsa segue em alta. As mais simples saem por meros 30 000 reais, enquanto a versão no topo, a Himalayan Crocodile Birkin, feita de couro de crocodilo do Nilo, chega a custar 2 milhões de reais. Quem pagaria tanto? Ora, gente como Jennifer Lopez e Kim Kardashian.
A bolsa Birkin ostenta valores exorbitantes por algumas razões. A primeira: é obra de um único artesão, um dos mais qualificados na França, que leva cerca de dezoito horas para concluir o trabalho manual. A matéria-prima também pesa. O cuidado com a confecção, à base de couro de altíssima qualidade e com acabamento impecável, começa, na verdade, no tratamento dado aos animais cuja pele será utilizada depois. Com exceção da versão de crocodilo, as peças são feitas, em quatro tamanhos diferentes, de couro de avestruz. “Nenhuma outra marca no mundo faz algo parecido”, afirma a designer de bolsas Serpui Marie. Analistas financeiros, porém, dizem que não é só isso, já que o custo de produção de uma Birkin gira em torno de 800 dólares. Aí vem a outra parte do preço: mesmo após a venda, o modelo recebe diversos serviços de tratamento, com reparos vitalícios na oficina da grife em Paris. E, claro, há o poder simbólico que ele exala: é utensílio que eleva o status do proprietário sem fazer tanto alarde. Nada de clamar por atenção: uma Birkin que se preze é elegantemente discreta. “A estratégia da Hermès contraria a lógica usual e desperta ainda mais desejo”, diz Marie.
A raridade dos exemplares também alimenta a seleta demanda. Não adianta entrar numa loja da Hermès com o cartão à mostra para levar a sua. As Birkins costumam ser vendidas a clientes fiéis, que mantêm um relacionamento de longa data com a marca. Uma das mais famosas é a estilista inglesa Victoria Beckham, que tem uma coleção em casa. Os novos compradores precisam entrar em uma fila de espera, que pode chegar a dois anos. A escassez tende a motivar uma inquietação: por que a grife priva o mercado de um bom volume de unidades e não produz, vende e ganha mais com elas? A Hermès responde: o motivo reside na restrição de peles de alta qualidade e no número de profissionais qualificados para manipulá-las. Há quem diga que é estratégia de marketing. No fim, a bolsa se torna ainda mais preciosa e venerada. Hoje, estima-se que 1 milhão de Birkins estejam circulando por aí — e que a produção anual não passe de 70 000 exemplares. Mesmo no mercado de segunda mão, peças usadas costumam ser mais caras que modelos novos de qualquer outra marca.
Tamanho encanto, que resiste ao tempo, talvez também seja explicado pelo fato de a Birkin ter nascido do acaso. Quando Dumas encontrou a cantora que batizaria a bolsa, não pensava em assinar um contrato com ela, mas apenas ajudá-la a guardar seus pertences. Assim também surgem os mitos. Mitos que não perdem o verniz e o valor e alimentam o enriquecimento de seus criadores. Que o diga o balanço financeiro da Hermès: em 2023, a marca lançada em 1837 como fabricante de arreios e selas de cavalos que se enveredou pelas trilhas da moda cresceu 21%, tornando-se uma das mais valiosas do planeta. Seu lucro líquido anual, também em ascensão, bateu 4,3 bilhões de euros. É a alta na bolsa — em todos os sentidos.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881