Peter Burke: “Ignorância é trunfo para ditadura e perigo para democracia”
Historiador britânico e autor de best-sellers globais diz que políticos usam a falta de conhecimento como ferramenta de manipulação

Como definir ignorância, que é o tema central de seu novo livro? No sentido tradicional, significa ausência de conhecimento. Hoje, essa definição é um pouco controversa, pois já se fala na produção de ignorância, o que é uma contradição em termos, já que teoricamente não se pode produzir a ausência. Eu prefiro falar em produção de confusão, como a indústria do tabaco fez há algumas décadas.
A ignorância, se usada como ferramenta política, pode ser um risco para a democracia? Falando de forma simples, a ignorância é um trunfo para as ditaduras e um perigo para as democracias. Se as pessoas não estão bem informadas, elas não são capazes de tomar boas decisões nas urnas.
Hoje se fala em “pós-verdade” para se referir à narrativa usada por políticos. É possível traçar paralelos com estratégias semelhantes adotadas no passado? Jornalistas gostam de exagerar as coisas e dizer que algo “nunca aconteceu antes na história do mundo”. Sinto dizer, mas mentir com objetivo político é uma estratégia muito velha.
O que há de novo, então? As tecnologias de disseminação. É preciso admitir que as fake news viajam de forma muito mais rápida, especialmente nas redes sociais. E acredito, embora não tenha como mensurar, que hoje há muito mais mentiras no ar do que antes.
De que forma as redes sociais facilitam a disseminação de notícias falsas? Antigamente, quando alguém espalhava um rumor, você sabia exatamente quem estava falando. Hoje, as informações simplesmente aparecem, e não sabemos de onde elas vêm. Isso criou um problema que acredito que os educadores terão de solucionar: como ensinar as crianças, desde pequenas, a duvidar da procedência de qualquer informação sem um emissor claro.
Há outros exemplos na história de políticos promovendo uma “caça às bruxas” contra o conhecimento, como Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil? Evitar que o público saiba de algo é uma tática antiga. Mas não consigo pensar em outros líderes de Estado demonstrando publicamente sua ignorância e manifestando desprezo pelo conhecimento.
Como explicar o paradoxo entre produção recorde de conhecimento e rejeição à ciência? Não é algo novo, mas a situação vem ficando pior. As pessoas sofrem de ansiedade informacional há muito tempo, e há um limite sobre quanto podemos absorver.
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2023, edição nº 2840