Pernas coloridas: imensa paleta de tonalidades vivas de meias-calças invade a moda
Vermelho, azul... Elas tomaram as passarelas, as ruas e as redes sociais, em interessante renascimento fashion
Ela não costumava errar. A estilista Coco Chanel disse certa vez, em meados do século passado, que “a moda que não chega às ruas não pode ser chamada de moda”. Estava certa. E nada mais onipresente nas calçadas urbanas (e nas redes sociais, claro, claro) do que a meia-calça. As clássicas, pretas e nude, são indispensáveis. Mas há uma novidade transformada em tendência: a variedade de peças coloridas, principalmente em tons de vermelho. Muita gente torceu o nariz — e pensou que não prosperaria —, até porque não é declaração fashion totalmente inédita.
Mas basta olhar para baixo, e pernas para que te quero. Deve-se ressaltar que usá-las não é arma contra temperaturas mais baixas. Valem também no calor, porque o que importa, hoje, é o estilo. Provocam, chamam a atenção, fazem rir quando necessário. Combinam com tudo, e às favas as regras rígidas do bom gosto. “Elas são as protagonistas nas produções de moda”, diz o stylist Dudu Farias, que veste a top model Renata Kuerten.
Dito de outro modo: como se adequam a várias posturas e tipos de corpos, incorporam questões atuais como a diversidade. Também são versáteis, práticas, acessíveis, cabem em qualquer lugar, não custam caro e, de fato, deixam as pernas mais bonitas, ao alongar as silhuetas. Rapidamente foram abraçadas pela geração Z, de jovens com até 30 anos de idade, namorados do visual meio hipster, meio indie dos anos 2000. Musas como Kendall Jenner, Dua Lipa, Jenna Ortega e Manu Gavassi aparecem vestidas da cintura para baixo de arco-íris.
Como sempre, para entender a onda, é bom o olhar histórico. Originadas do guarda-roupa masculino, as meias-calças não tinham a função de aquecer as pernas nem ressaltar a moda. Eram utilizadas para distinção social, com a nobreza vestindo seda e os plebeus, algodão. Passaram a ser exclusivas do guarda-roupa feminino em meados do século XIX, e ganharam força na Era Vitoriana (1837-1901), quando as pernas femininas passaram a ser vistas pela ótica do desejo. Anos mais tarde, foram potencializadas pelo apelo fetichista de modelos de renda e “arrastão” usados por estrelas como Elizabeth Taylor (1932-2011) e Marilyn Monroe (1926-1962).
As coloridas e as estampadas já nasceram polêmicas, nas pernas das melindrosas no pós-guerra dos “loucos” anos 1920, só virando acessórios de moda na década de 1960, combinadas às minissaias criadas por Mary Quant e disseminadas pela modelo Twiggy. Ruído mesmo houve em 1985, quando a princesa Diana resolveu apostar em um look monocromático com meias-calças rubras — e quebrou o protocolo sóbrio da realeza britânica. Sendo ela um incontornável ícone de moda, abriu de vez as portas para a ousadia das meias ultracoloridas levadas às passarelas da Versace e Dolce&Gabbana, na década de 1990, e Gucci e Lanvin, nos anos 2000. Recentemente, voltaram a ganhar os holofotes pela personagem de Leighton Meester, Blair Waldorf, na série Gossip Girl, e nas coleções da Miu Miu, em 2022, e Chanel, em 2023, além da onda que inundou Copenhague, Londres e Paris durante as semanas de moda. De lá para cá, o sucesso — e a paleta — só aumenta. E as peças vão continuar firmes e fortes para os próximos meses, sem mostrar nenhum sinal de desaceleração. Tal como previu Chanel: as meias-calças coloridas brilham porque são, digamos, democráticas.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição nº 2918