Combate ao etarismo ganha força com novos movimentos na sociedade
Cada vez mais vozes se levantam para mostrar que envelhecer é uma parte da vida que merece reconhecimento e valorização
No feroz mercado televisivo, a passagem dos anos costuma ser impiedosa. À medida que envelhecem, as celebridades — especialmente as mulheres — são relegadas a participações secundárias nas novelas, a meros apêndices de atrações escondidas na grade de programação. Para evitar que isso ocorra, ou ao menos adiar o implacável processo de apagamento de suas imagens, elas quase sempre evitam revelar a idade que possuem. Foi assim desde os primórdios da TV, mas a história — ufa! — começa a mudar. No último 27 de março, Xuxa, a eterna “Rainha dos Baixinhos”, celebrou a chegada aos 60 anos com um show em um navio repleto de referências aos anos 1980, década em que estourou na TV. Em vez do clima de nostalgia, Xuxa divertiu-se com sua formidável trajetória e, acima de tudo, assumiu exatamente o que é: uma sexagenária linda, sexy e graciosa. “Fui muito criticada na primeira vez que tirei uma foto na praia, sem maquiagem”, contou apresentadora a VEJA. “Disseram que eu tinha dinheiro, que deveria me cuidar, colocar Botox. Quase dei uma pirada, mas resolvi não entrar nisso.”
Na realidade, Xuxa talvez seja, mesmo sem a intenção, uma das vozes mais lúcidas no combate ao etarismo, o tosco preconceito contra a idade que persiste e, sob diversos aspectos, avança na sociedade brasileira. Como figura conhecida e influente, ela exerce papel cada vez mais relevante na reação a esse tipo de intolerância. A boa notícia é que não está sozinha. Nos últimos meses, uma campanha criada pela atriz Mika Lins nas redes sociais incentivou personalidades famosas a publicar fotos sem maquiagem, em preto e branco, para mostrar os sinais da idade e, assim, combater o preconceito. As atrizes Patricia Pillar, de 59 anos, Paloma Duarte, 45, e Mônica Torres, 65, entre muitas outras, estão entre as participantes que aceitaram o desafio. “Tenho 59 anos vividos com verdade e intensidade”, escreveu uma orgulhosa Pillar ao defender a importância do movimento.
É curioso observar como o etarismo foi negligenciado como uma chaga que precisa ser debelada. Merecidamente, o combate ao racismo, à misoginia e à homofobia mobilizou ativistas quase no mundo inteiro, e os efeitos do engajamento da sociedade já são sentidos em diversos campos. Talvez essas causas sejam mesmo mais urgentes, até porque, na perspectiva histórica, o preconceito de cor, gênero e orientação sexual persegue vítimas desde o desabrochar da humanidade. O etarismo é um pouco mais recente, mas cresceu em intensidade dadas as conquistas da medicina, que tornou a velhice mais amigável e menos assustadora, e ao consequente aumento da longevidade.
Hoje em dia, os idosos, veteranos e mais experientes, ou seja a expressão que for, estão aí — na academia de ginástica, na universidade, no escritório, nas baladas, em qualquer lugar. Com isso, passaram a incomodar os intolerantes de plantão. Há poucas semanas, a estudante de biomedicina Patrícia Linares, de 45 anos, foi “acusada” por três colegas da faculdade de ser velha demais para o ambiente estudantil, algo tão estúpido e sem sentido que provocou repulsa em diversos setores da sociedade. A discriminação está por toda a parte. Não foram poucas as vezes que a cantora Madonna, de 64 anos, recebeu ataques nas redes sociais por ignorar a aposentadoria. Saudável e perspicaz, Madonna nem pensa em largar os microfones, e está coberta de razão.
No Brasil, o etarismo traz uma agravante. O país é um dos que envelhecem em ritmo mais veloz no mundo. Atualmente, a expectativa de vida ao nascer está em 77 anos. Na década de 70, era de 57,6 anos. Na de 40, 45,5 anos. Ou seja, cada vez mais haverá gente idosa no convívio familiar, social e profissional. Quer os jovens aceitem ou não, eles terão, lado a lado e por toda a vida, alguém em idade avançada para compartilhar experiências. Além disso, os jovens deveriam lembrar que eles mesmos serão velhos um dia — a outra alternativa é pior, como diriam os humoristas.
Nota-se cada vez mais, e em diferentes áreas, novas vozes se levantando contra o preconceito de idade. A cerimônia do Oscar deste ano foi um indicativo poderoso dessa mudança. Nascida na Malásia, Michelle Yeoh, de 60 anos, fez história ao se tornar a primeira asiática a receber o prêmio de melhor atriz. “Para todos os meninos e meninas que se parecem comigo e que estão assistindo esta noite, este é um sinal de esperança e possibilidades”, disse ela no discurso da vitória. “E, senhoras, não deixem ninguém dizer que vocês já passaram do seu auge.” Sua colega de elenco em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, Jamie Lee Curtis, de 64 anos, também recebeu o prêmio de melhor atriz coadjuvante. Ícone de beleza em clássicos do cinema de terror dos anos 1980 e famosa por uma cena de striptease em True Lies, filme cult de 1994, a americana engordou para fazer o atual papel de vilã. A decisão de não realizar procedimentos estéticos e se mostrar nas telas como uma pessoa real trouxe, diz ela, liberdade física e criativa.
As declarações entusiasmadas e cheias de confiança de nomes como Xuxa e Jamie Lee Curtis são inspiradoras, mas nos cantos escuros dos escritórios é mais difícil para os profissionais se rebelarem. O temor de perder o emprego, a vergonha, em certos casos, de não dominar as novas tecnologias e as incertezas a respeito do futuro são fatores que costumam deixar os cinquentões, sessentões e todos os outros entões angustiados e inseguros. Dados dos últimos dez anos apontam que 880 000 pessoas com mais de 50 anos perderam o emprego no Brasil. A pandemia escancarou ainda mais o problema. Os membros do chamado grupo de risco ficaram em casa, e muitos não conseguiram se recolocar. “O cenário é desafiador”, diz Mórris Litvak, CEO da Maturi, agência que trabalha na recolocação de profissionais maduros no mercado. “As empresas continuam focadas no público jovem, especialmente em relação a contratações.”
Uma saída proveitosa, que está em sintonia com a crescente reação da sociedade contra o etarismo, é criar oportunidades direcionadas a esse público. A Maturi tem ajudado grandes companhias a desenvolver programas como o Expert 50+, da empresa de benefícios Livelo, que buscou profissionais com sólida experiência em suas áreas. A agência também trouxe ao país a certificação Age Friendly, criada nos Estados Unidos por um grupo de analistas de recursos humanos para reconhecer empregadores que oferecem vagas adequadas e ambientes livres de preconceito para pessoas com mais de 50 anos. No Brasil, a farmacêutica Sanofi foi a primeira a receber o selo por suas práticas de inclusão. O Magazine Luiza é outra grande companhia a desenvolver programas de contratação especificamente para o público maduro.
Além de manter profissionais qualificados no quadro de pessoal, estudos apontam que a troca de conhecimentos entre pessoas de idades diferentes é benéfica também para os negócios. “Trabalhadores maduros trazem equilíbrio emocional e uma experiência que os jovens ainda não têm”, diz Litvak. “Estamos pedindo representatividade”, clama a consultora Silvia Ruiz, 53 anos, autora do blog Ageless. Em uma de suas notáveis tiradas, Groucho Marx (1890-1977), o sábio humorista americano, disse que “todo mundo é capaz de envelhecer — basta viver o suficiente para chegar lá”. Que os intolerantes “etaristas” vivam o bastante, muito mesmo, para conhecer essa extraordinária aventura. A civilização precisa avançar.
Os vovôs e vovós influencers
O ambiente das redes sociais costuma ser associado ao público jovem, afeito às inovações tecnológicas e à linguagem dinâmica, com muitas danças, músicas e emojis. O surpreendente é que influenciadores da terceira idade têm conquistado seguidores ao mostrar que também podem brilhar nessas mídias, seja o TikTok, seja o Instagram. O ator Ary Fontoura é um dos melhores exemplos. Com mais de 5 milhões de seguidores em suas redes, faz publis, mostra detalhes de sua vida e dança ao som dos hits da moda — e tudo isso aos 90 anos. Não à toa, virou referência entre os “tiktokers”. Renato Aragão, o Didi dos Trapalhões, de 88 anos, se descobriu como influenciador. Grava piadas e posa com looks espalhafatosos compostos de camisas estampadas e bonés. Tem 4,5 milhões de seguidores no Instagram. Fora do Brasil, poucos fazem tanto sucesso como a empresária e designer de interiores americana Iris Apfel, de 101 anos. Ícone de moda, posta vídeos e fotos regularmente para seus 2,6 milhões de seguidores. Por sua vez, o ator britânico Ian McKellen, de 83, usa o Instagram para compartilhar os bastidores das peças e dos filmes em que atua. Já disse em entrevistas que abraçou o envelhecimento e está vivendo o melhor momento de sua vida. As redes sociais são de todos, inclusive dos vovôs e das vovós.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835