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O que é nomofobia, novo transtorno ligado ao uso exagerado do celular

De tanto se manter grudadas nas telinhas, as pessoas estão desenvolvendo um misto de medo e ansiedade quando o aparelho não está por perto

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 4 jun 2024, 12h18 - Publicado em 8 abr 2022, 06h00

Fruto de uma sucessão de inovações da indústria eletrônica, a invenção do iPhone, em 2007, forjou uma nova e indivisível relação dos seres humanos com o ambiente digital. Do nerd mais convicto ao cidadão mais indiferente aos avanços tecnológicos, todos se renderam ao smartphone, o milagroso aparelhinho capaz de caber no bolso e, ao mesmo tempo, desempenhar uma infinidade de funções: conversas entre amigos, namoros, movimentação da conta bancária, cuidados com a saúde, compra de qualquer tipo de produto, músicas, filmes, livros. A dependência universal para com o celular, potencializada pelo isolamento social na pandemia, é especialmente intensa no Brasil, país que lidera — ao lado da Indonésia — o ranking de tempo gasto diante da telinha: cinco horas e meia de uso diário, frente à média mundial de quatro horas e 48 minutos. O que vem perturbando os especialistas agora é outra camada desse comportamento viciante, quando ele se manifesta de forma exacerbada e doentia, configurando um mal batizado de no mobile fobia — ou simplesmente nomofobia.

Não se trata apenas daquela agonia de querer dedilhar a telinha para responder a uma mensagem no ato ou conectar-se para saber o que se desenrola ao redor do planeta em tempo real, mas de uma ansiedade aguda e crises de medo desencadeadas sempre que o acesso a ele se restringe. O apego que vira vício, uma necessidade incontrolável da qual a pessoa não consegue se livrar, preocupa médicos e psicólogos mundo afora. Uma nova pesquisa da consultoria global Digital Turbine lança um sinal de alerta em relação aos brasileiros. Ela mostra que uma parcela considerável se revela incapaz de ver-se privada de seu telefone: 39% da população diz não conseguir ficar longe dele por mais de uma hora, sendo que 20% não suportam sequer trinta minutos sem sua presença (veja o teste para aferir a nomofobia).

arte teste nomofóbico

Diante do número crescente de casos, profissionais ligados à saúde mental empreendem uma campanha para que a nomofobia seja incluída no rol dos distúrbios relacionados ao uso de tecnologia no DSM-5, o manual dos diagnósticos e estatísticas de transtornos psicológicos. “O uso intensivo do celular provoca liberação de dopamina, substância que traz sensação de bem-estar, e pessoas que buscam cada vez mais essa recompensa acabam sofrendo de dependência emocional”, explica Anny Maciel, psiquiatra do Hospital das Clínicas da USP. Anna Carolina Fogaça, 24 anos, sabe bem o que é isso. Ao despertar, antes mesmo de jogar uma água no rosto, a estudante de farmácia corre para checar as mensagens de Whats­App e o feed do Instagram. “Um dos motivos do meu divórcio foi eu estar sempre entretida com o telefone. Meu bebê até já se machucou por eu não estar prestando atenção nele”, lamenta ela, que admite ter atravessado uma perigosa fronteira.

arte nomofóbico

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Nesse contexto, a dificuldade em mudar de comportamento pode ser comparada à enfrentada por dependentes de drogas químicas. O sistema inibitório, responsável por regular as emoções e impor limites ao próprio corpo, não funciona corretamente e a atenção pregada na telinha acaba por prejudicar outras atividades, como tarefas domésticas e o trabalho. “O celular funciona como um dreno, sugando a energia cerebral, sem que o indivíduo consiga se concentrar naquilo que realmente faz a diferença em sua vida”, pontua Claudia Feitosa-Santana, neurocientista da Universidade de Chicago. Enquanto o vício em celular é constatado em estudos e pesquisas e vem sendo analisado há tempos, pouco se sabe sobre os gatilhos da nomofobia, embora esteja comprovado que a propensão ao distúrbio é maior em quem já sofre de depressão e ansiedade. Os adolescentes e jovens adultos são mais vulneráveis, uma vez que o cérebro ainda está em formação — ele se desenvolve até os 25 anos. Pesquisa da University College London feita com mais de 1 000 pessoas entre 18 e 30 anos mostrou que 40% não aguentavam a sensação de ficar longe de seus smartphones.

É DURO SE DESLIGAR - A apresentadora de TV Penélope Dias, 23 anos, reconhece um misto de irritação e ansiedade aflorar quando está longe do celular. Sabe que há um excesso aí, que tenta controlar. “É como se minha vida estivesse parada”, diz -
É DURO SE DESLIGAR – A apresentadora de TV Penélope Dias, 23 anos, reconhece um misto de irritação e ansiedade aflorar quando está longe do celular. Sabe que há um excesso aí, que tenta controlar. “É como se minha vida estivesse parada”, diz – (//Arquivo pessoal)

As redes sociais são responsáveis por 70% do tempo dispensado aos aparelhos, o que confirma a bem-sucedida estratégia das big techs de agregar produtos e serviços relacionados com a mobilidade, como geolocalização, transmissões ao vivo e postagens instantâneas. “O grande trunfo das redes foi sua associação aos smartphones. Ao se tornarem portáteis, elas reforçam nas pessoas a ideia de que precisam estar constantemente logadas e atualizadas para pertencer ao ambiente”, analisa a socióloga Camila Crumo, especialista em relações digitais. A apresentadora de TV Penélope Dias, 23 anos, faz questão de responder a mensagens imediatamente, se relaciona com amigos mais por aplicativos do que pessoalmente e, quando os encontra IRL (in real life), não para de digitar enquanto conversa. Previsivelmente, no dia em que se viu sem celular, seu mundo caiu. “Meu telefone quebrou e foi como se minha vida temporariamente não existisse. Eu me sentia muito triste, deslocada, achando que perderia os amigos e não teria mais assunto para comentar”, lembra.

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LOUCA POR UM SINAL - A estudante de farmácia Anna Carolina Fogaça, 24 anos, admite que o smartphone afeta sua produtividade e as relações sociais. Mesmo com os amigos frente a frente, não larga o aparelho. “Não dá para ficar sem wi-fi.” -
LOUCA POR UM SINAL – A estudante de farmácia Anna Carolina Fogaça, 24 anos, admite que o smartphone afeta sua produtividade e as relações sociais. Mesmo com os amigos frente a frente, não larga o aparelho. “Não dá para ficar sem wi-fi.” – (//Arquivo pessoal)

Limitar o uso do celular e não permitir que ele esteja presente em momentos importantes no trabalho ou em família é um exercício relativamente simples. Diversos modelos trazem, em suas configurações, o chamado “modo de foco”, em que é possível configurar horários para o funcionamento de apps. Para muita gente, porém, percorrer tais caminhos é um desafio daqueles. Ciente de que estava passando do razoável, a estudante de arquitetura Marcela Araújo, 23 anos, considera que está, no momento, “desmamando”: todos os dias remove diversos aplicativos pela manhã e só volta a instalá-los no fim da tarde, quando se permite janelas de lazer virtual. “Estou muito mais concentrada, meu dia começou a render bem mais”, conta. Viver crises de desconforto físico se o celular não está por perto é assunto sério que, nos casos mais severos, passa pela recomendação de terapia. Como a tendência é os celulares se tornarem cada vez mais viciantes, vale manter o olho vivo — não só no aparelho, mas no mundo em volta dele.

Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784

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