O grande desafio da Daslu de retomar o glamour do passado
A marca, símbolo do mercado de alto padrão, será leiloada com lance inicial de 1,4 milhão de reais
A travessia do mercado de luxo do Brasil teve dois períodos distintos: antes e depois da Daslu. Embora a butique de roupas tenha nascido em 1958, foi a partir da década de 90, sob a gestão de Eliana Tranchesi (1955-2012), que a marca transformaria um segmento até então pouco valorizado no país. Tranchesi usou uma estratégia inteligente. De imediato, ela buscou acordos de representação e importação com grifes italianas e francesas e passou a trazê-las diretamente para o mercado brasileiro. Foi uma revolução. Os clientes, entre celebridades, artistas e gente bem-sucedida em geral, não precisavam mais ir a Paris ou Milão para comprar roupas assinadas por grandes estilistas. A executiva também inovou ao ser uma das primeiras a realizar desfiles intimistas e desenvolver catálogos exclusivos. Tudo parecia perfeito, mas descobriu-se depois que o império mantinha nas sombras um esquema de evasão fiscal que gerou enormes prejuízos aos cofres públicos. Foi o começo do fim, decretado oficialmente com o pedido de falência, em 2016. Desde então, a Daslu desapareceu definitivamente das altas-rodas nacionais.
Mas ela está de volta, inesperadamente. Um leilão programado para o próximo dia 11 e promovido pela casa Sodré Santoro colocará à venda os direitos de uso da marca. Não que valha muita coisa. O lance inicial é de 1,4 milhão de reais, uma ninharia perto dos 400 milhões anuais que a empresa chegou a faturar nos tempos áureos. Se nenhum interessado aparecer até lá, outros dois eventos extras já estão marcados ao longo do mês de maio — ou seja, o valor poderá cair ainda mais. Não seria exagero dizer, portanto, que o outrora império do luxo está agora em liquidação.
Durante seu ocaso, empresários de diferentes ramos de negócios tentaram dar alguma sobrevida à empresa. Em 2011, a Daslu foi comprada pelo fundo Laep, de Marcus Elias, que já foi dono da Parmalat, por 65 milhões de reais. Elias tinha no currículo processos por lavagem de dinheiro, organização criminosa e crime contra o sistema financeiro, o que certamente não ajudou a revigorar a marca. Durante algum tempo, os novos gestores indicados por Elias tentaram recuperar o glamour dos velhos tempos e até inauguraram outras lojas. A resposta do público, contudo, não foi a mesma do passado. Com a chegada ao Brasil de lojas oficiais das principais grifes de luxo estrangeiras e a má reputação da Daslu na praça, as unidades ficaram à míngua. Resultado: sua última loja, no shopping JK, em São Paulo, foi despejada por falta de pagamento do aluguel. Em 2016, a Daslu ganharia um novo comando: o empresário baiano Creso Suerdieck, sócio da gestora de investimentos DX Group. Com 52% da empresa, enquanto a Laep manteve 48%, a gestora seria a sócia majoritária, mas não cumpriu cláusulas do contrato e a disputa entre os donos continuou nos tribunais. Um ponto-final às escaramuças poderá ser dado agora no leilão.
Não é fácil retomar o brilho de empresas que fizeram sucesso no passado. No Brasil, não faltam exemplos de retornos fracassados. Principal loja de departamentos do país durante décadas, o Mappin não conseguiu se atualizar para enfrentar a nova concorrência e acabaria enfrentando um rumoroso processo de destruição de marca. Em 2019, ela foi arrematada pela Marabraz, que a transformou em uma pequena operação de e-commerce. Situação semelhante viveu a Mesbla, outro ícone entre as lojas de departamentos, e que também faliu nos anos 1990. Recentemente, a Mesbla anunciou seu retorno como marketplace digital. Alguns especialistas, porém, acham que a ressurreição da Daslu é possível, já que a marca desperta lembranças afetivas entre as clientes. “Seu sucesso não foi o produto em si, mas o relacionamento”, afirma Katherine Sresnewsky, coordenadora da pós-graduação de negócios e marketing de luxo da ESPM. “Temos grandes grupos de moda no Brasil, mas poucas marcas. E todo mundo quer uma. Quem comprar a Daslu pode, sim, revivê-la.” Será esta a sua última chance? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três…
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788