Mulheres impulsionam o grande aumento do divórcio entre casais acima de 50 anos
Elas estão em busca de liberdade, do fim de um matrimônio infeliz e da recuperação da autoestima

Tudo começou com o direito ao voto, ainda no início do século XX. Depois veio a inserção no mercado de trabalho, que ganhou força a partir da década de 1950. E a luta feminista contra obstáculos e preconceitos seguiu à tona, enfrentando um mundo comandado por homens. Gradualmente, as conquistas suadas vieram, entre elas a de poder sair de um casamento falido sem virar um pária na sociedade — algo que, na pena da lei, só pôde virar realidade no Brasil a partir de 1977. Mesmo assim, até os anos 1990, contavam-se nos dedos as separações, sempre assombradas pela dor da dissolução de uma família. A história mudou. Hoje, já se computa um divórcio para cada casamento realizado no Brasil. Na faixa acima dos 50, o número de separações triplicou nos últimos dez anos. Nessa mesma década, as mulheres mais maduras romperam de vez as barreiras em prol da liberdade e da felicidade: segundo dados recentes do IBGE, o número de divórcios de pessoas com mais de 50 já representa, entre as mulheres, 31% dos rompimentos, em movimento que não cessa desde 2018 (veja no quadro).
A geração do chamado “divórcio grisalho” é formada por pessoas que já têm patrimônio, boa previdência, filhos e, em alguns casos, até netos. São cidadãs e cidadãos que não temem trocar o certo pelo duvidoso. Nessa faixa etária, principalmente, o fim da união não é uma decisão abrupta e puramente emocional, como nos arroubos idealistas da juventude. “Trata-se de uma decisão realista, ponderada e livre de qualquer romantismo”, diz a terapeuta de casais Lidia Aratangy, referência na área, casada há cinquenta anos, quatro filhos, dez netos e uma bisneta.

Em boa parte das vezes, são elas que tomam a iniciativa, depois de um longo processo de esgotamento. “A mulher madura só costuma se separar quando o matrimônio fica realmente intolerável.” Foi exatamente essa sensação que levou a tradutora Patrizia , de 61 anos (que pediu anonimato para não expor as filhas) a desistir do relacionamento de quase três décadas. “Durante muito tempo, eu lutei, até mais do que devia, para manter o meu casamento já desgastado”, diz.
Filha de pais divorciados, Patrizia receava que os filhos passassem pela dor que ela experimentou no passado. E então postergou o rompimento da união — uma realidade compartilhada por muitas brasileiras. Mas houve um momento em que nem as dúvidas falaram mais alto que a vontade de se livrar das amarras. “Meu olho voltou a brilhar, passei a me admirar, a ter amigos e viajar”, diz a tradutora, hoje exultante em poder morar sozinha, não ter mais certas obrigações e conseguir traçar os próprios planos. Nem a queda no padrão de vida, que não lhe permite fazer passeios ao exterior, é motivo de arrependimento.
Aliás, especialistas observam que muitos casais desistem do divórcio devido aos impactos financeiros — afinal, mais que uma comunhão amorosa, o matrimônio sela uma espécie de sociedade, ainda que, com frequência, chefiada pelo marido. No entanto, se no passado as separações atraíam holofotes por serem protagonizadas por ricos e famosos, hoje ocorrem no seio de lares de gente comum e madura, ávida por recomeçar.
A idade, em alguns casos, convém notar, nunca foi barreira para casar e descasar. Que o diga a apresentadora de TV Ana Maria Braga, que está no quinto matrimônio. No início do mês, aos 76 anos, celebrou bodas com o jornalista Fábio Arruda, 22 anos mais jovem. A decisão foi tomada em meio a um imbróglio: demorou mais de três anos para que ela conseguisse a separação do ex-marido, que chegou a negar na Justiça o pedido de divórcio.

Sim, toda mudança de rumo exige uma dose de coragem, mas não é raro que a batalha pela liberdade seja acompanhada de percalços. “As mulheres da geração da minha mãe também eram corajosas, porém foram educadas a ser mais tolerantes, a engolir coisas que hoje não são mais aceitáveis”, diz Fernanda, uma dentista de 58 anos que pediu anonimato porque enfrenta um divórcio litigioso. De fato, as coisas começaram a se transformar na década de 1970, quando a atriz Regina Duarte virou uma inspiração para as brasileiras ao interpretar uma mãe recém-separada que tenta ganhar a vida sozinha no seriado Malu Mulher. Na época, a personagem, que ainda encarava um ex-marido opressor, tornou-se símbolo das aspirações femininas e do sonho de emancipação.
Hoje são muitas as Malus, algumas já grisalhas. A dentista Fernanda é uma delas. Mãe de dois filhos, pediu o divórcio aos 51. O relacionamento estava péssimo, mas a satisfação de ter a família reunida compensava. A perseverança durou até descobrir que o esposo tinha uma namorada virtual, para quem mandava flores. Daí começou o embate. A essa altura, as poucas gentilezas que existiam entre o casal foram para o ralo e a sala da casa virou um ringue. “Minha mãe e minha avó aceitaram que os maridos tivessem casos extraconjugais e continuaram com o casamento, mas eu não tolero”, diz Fernanda, cuja conta bancária virou o grande motivo do litígio. A independência financeira, aliás, foi fator decisivo para o empoderamento feminino. Atualmente, metade das brasileiras está no mercado de trabalho. “Muitas ganham mais que o marido e não precisam se submeter ao que as nossas mães passavam”, diz a executiva de vendas Roberta Grillo, que é arrimo de família e também optou pelo divórcio depois dos 50.

De luta em luta, direito em direito adquirido, e a própria ânsia de desfrutar muitos mais anos de vida que as gerações anteriores, é inegável que as mulheres mudaram. “Somos fruto de uma revolução feminista”, diz a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com a promessa no altar de manter a união “até que a morte os separe”, o casamento, para muitas mulheres, se transformou em prisão. Mas uma prisão da qual cada vez mais elas podem escapar. “Teve gente que disse que eu devia aguentar mesmo com um relacionamento ruim”, recorda a dona de casa Kátia Rodrigues Alavaski, 51, que não deu ouvidos aos conselhos. Depois de trinta anos de casamento, ela respirou fundo e virou a página. Teve medo, mas conseguiu se reinventar. Foi à balada, entrou em aplicativos de namoro e, passada a euforia, matriculou-se em um curso de psicanálise. Afinal de contas, há um novo caminho a seguir.
O aumento da longevidade é realmente um fator determinante na mudança de comportamento das jovens grisalhas. Na década de 1960, a expectativa de vida era de pouco mais de 50 anos. No último levantamento do IBGE, a média havia subido para mais de 70. Pesquisas apontam que nos bolsões com maior acesso à saúde e infraestrutura, como os bairros nobres das capitais paulista e fluminense, as pessoas passam fácil dos 80. Além de tempo pela frente, as mulheres chegam à maturidade em ótimas condições. Um sonho concretizado com boa alimentação, atividade física, reposição hormonal e uma miríade de procedimentos estéticos.

Isso não significa que o divórcio nessa faixa etária seja um processo tranquilo. “Depois da separação veio o período de luto, do fim de um sonho, de um projeto de vida”, diz Roberta Grillo, que tem um filho pré-adolescente. Aos poucos, é preciso calibrar expectativas, reaver a autoestima e reconstruir a identidade. “Hoje me preocupo em acolher mulheres como eu, que foram apagadas durante o casamento e abriram mão de si mesmas em nome da família”, conta Kátia Alavaski.
Com o pé no chão, elas agora festejam e, em vez de correr atrás de um suposto príncipe encantado, curtem a valer a liberdade de entrar e sair de relações com segurança e poder lapidar seu próprio destino. “É fácil descobrir o que se quer na vida, mas só a idade faz com que a gente entenda aquilo que não quer de jeito nenhum”, reflete Roberta Grillo, depois de vivenciar, na carne e na alma, as dores de relacionamentos tóxicos. Já dizia a filósofa francesa Simone de Beauvoir, teórica do feminismo moderno: “Toda opressão vira um estado de guerra”. Nesse sentido, o divórcio grisalho se cristalizou como saída digna de relações bélicas ou insatisfatórias — e uma nova chance para o amor na maturidade.
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2025, edição nº 2939