Megalomania no deserto: países do Golfo criam oásis de diversão para atrair turistas
Com o objetivo de diversificar suas economias, nações da região erguem ousados edifícios e oferecem muito luxo para os estrangeiros
Países do Golfo Pérsico viraram peça-chave no xadrez da geopolítica a partir da segunda metade do século XX, quando se descobriram deitados sobre extraordinárias reservas de petróleo e gás. Mas tanto se caminhou de lá para cá que hoje, quando alguém pensa em nações como Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita, vizinhos de Oriente Médio, o que vem primeiro à mente são ousados prédios assinados por celebridades das pranchetas, luxo em abundância e entretenimento sem medir fundos — estes, aliás, fartamente abastecidos pelas abastadas monarquias no poder. Cientes da transição energética em marcha no planeta, que já se reflete no PIB ainda encabeçado pela indústria petrolífera, os soberanos do pedaço apostam as fichas na megalomania feita para encantar o olhar e atrair investimentos e turistas, seja na forma de um complexo de parques que agora receberá uma Disney, em Abu Dhabi, seja na de uma cidade futurística que brota em pleno deserto saudita. “Os megaprojetos cumprem o necessário objetivo de diversificar a economia”, diz a socióloga Eloísa Martín, da Universidade dos Emirados Árabes.
É no noroeste do reino saudita, governado com mãos de ferro pelo príncipe Mohammad bin Salman, o MBS, que dois edifícios formarão um paredão horizontal todo espelhado, com 500 metros de altura e 170 quilômetros de extensão. A nada discreta iniciativa de MBS, batizada de The Line, abrigará 9 milhões de pessoas onde atualmente só se avista areia. Segundo o plano, ali funcionará uma cidade livre de problemas tão mundanos quanto trânsito e poluição, movida a energia 100% renovável e sem veículos no horizonte, só metrô e carros autônomos circulando por vias subterrâneas. A obra, orçada em mais de 1 trilhão de dólares e com previsão de ficar pronta nos próximos anos, já começou e faz parte de ambição maior do príncipe herdeiro, que busca dar ares modernizantes ao país também lembrado por atropelar direitos humanos. Seu projeto Visão 2030, como foi batizado, inclui até uma tentativa de converter a Arábia Saudita, que é ruim de bola, em potência do futebol (o fundo de investimentos públicos reservou 1 bilhão de dólares para contratar estrelas como Cristiano Ronaldo), além de uma ilha de pura diversão, perto da capital, Riade, que vai ter de parque aquático a centro de e-sports, lojas e hotéis.
O movimento no Golfo de reduzir a dependência da exportação de petróleo, sem medir esforços para se tornar destino turístico, iniciou uns dez anos atrás, mas ganha tração agora, com anúncios como o de uma Disneylândia em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, que será instalada em 2030 numa ilha artificial (especialidade local), ao lado dos já existentes Ferrari World, sede da mais veloz montanha-russa do mundo, e Warner Bros. World. Quem busca um pouco de arte no emirado já encontra uma filial do Louvre, desenhada por Jean Nouvel, o premiado arquiteto francês. O turismo ali, que responde por 11% da riqueza local, e cresce, é impulsionado por um pragmatismo que se espalha por todo esse naco do Oriente. Em Ras al-Khaimah, por exemplo, um cassino-resort sairá do papel até 2027, com um detalhe: as roletas ficarão liberadas apenas para estrangeiros, uma vez que são vetadas para cidadãos, tutelados pelas rigorosas regras do islã.
Os superlativos acompanham a propaganda desses destinos que procuram se situar no nicho do turismo de luxo — quase tudo com que se esbarra é “o primeiro, o maior”. Em Dubai, também nos Emirados, o slogan oficial é fazer do lugar nada menos do que o “mais feliz e inteligente”, o que embute o afã de oferecer experiências únicas nesta era em que elas são tão valorizadas. Em uma das mais altas torres do planeta, objeto de orgulho nacional, a Burj Khalifa, o passeio de elevador até o 163º andar se soma à degustação de generosos pedaços de carne folheados a ouro. O minúsculo Catar deu um salto nestas mesmas areias ao sediar a Copa do Mundo de 2022, o que o alçou à vitrine global, ainda que também tenham sido nela expostas as contradições de um país que ainda mantém um pé no passado. Pois ali foram anunciados bilionários investimentos em resorts, ilhas artificiais (como não?) e uma repaginação da iluminadíssima orla da capital, Doha. Um parque de diversões, o Land of Legends, será construído ao custo de 3 bilhões de dólares.
Uma ideia que permeia o conjunto de investimentos é usar de soft power para atrair e influenciar a banda ocidental do planeta e, assim, ir conquistando terreno com a ajuda de esporte, cultura e muito espetáculo, como os que proporcionam os skylines de Doha e Dubai, que competem entre si. Atrair grifes conhecidas nos campos da saúde e da educação também entra na fórmula, a exemplo da capital catari, sede de filiais das prestigiadas universidades americanas Cornell e Georgetown.
Uma ala de especialistas em urbanismo alerta para o efeito colateral do que já é chamado pejorativamente de “dubaização” das cidades, onde a grandiosidade estaria enterrando conceitos como integração do novo com o velho e a possibilidade de uma vida a pé, além de dar as costas a candentes questões ambientais. “Há o risco de criarmos enclaves artificiais desconectados das verdadeiras necessidades humanas e territoriais”, pondera a arquiteta Khuloud Ali, da Universidade do Cairo. Isso posto, esses países, por tanto tempo fechados para o globo, nunca estiveram de portas tão abertas.
Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964
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