‘Israel é assolado pelo terror, mas Brasil supera em violência’
É o que diz a VEJA o grão-mestre de Krav Magá Kobi Lichtenstein, israelense que ajudou a popularizar a arte de defesa pessoal no país
Emrich “Imi” Lichtenfeld (1910-1998) foi um húngaro que, para proteger os quarteirões judeus em Bratislava, hoje capital da Eslováquia, do arbitrário antissemitismo da década de 1940, concebeu o Krav Magá, uma arte de defesa pessoal que torna qualquer pessoa, independentemente de seu tamanho, força ou idade, capaz de se opor a uma agressão.
O método ganhou impulso e popularidade mundo afora, principalmente por ser adotado por parte do exército de Israel. No Brasil, a procura cresceu nos últimos anos, tanto por gente que busca aprender a se defender da violência nas ruas como por quem quer cuidar do corpo e subjugar o estresse.
Por aqui, o Krav Magá deve muito ao grão-mestre Kobi Lichtenstein, que foi aluno e discípulo do criador do estilo. A VEJA, ele fala com exclusividade sobre a arte marcial que, sob seu juízo, pauta até uma trama na atual novela da TV Globo, Terra e Paixão.
O que lhe trouxe ao Brasil, em 1990?
Em 1986, de passagem pelo país, eu vi a sociedade brasileira refém da violência. Onde o agressor decide quando começa e termina. Israel é um país assolado pelo terror, mas nada igual como o Brasil. Mais para frente, pensei: ‘E se eu puder fazer a diferença ali?’ Então me mudei para cá com o objetivo de dar às pessoas uma opção. A violência vai acontecer, mas o aluno de Krav Magá pode controlá-la.
De lá para cá, você percebe essa diferença na prática?
Com certeza. Dezenas de milhares de alunos passaram por nossas mãos, e é perceptível como o Krav Magá mudou suas vidas. Há inúmeros casos que saíram de vítimas fáceis para se tornarem pessoas seguras que, por essa mudança de postura, não sofrem com a violência que antes suportavam. Isso vai desde a brutalidade nas ruas até a violência doméstica.
E quanto ao lema das autoridades de ‘não se deve reagir a assaltos’?
Se você não tem conhecimento ou capacidade, não há a menor dúvida de que esse é o melhor caminho. Porém, não fazer nada é viver com medo a vida toda. Como falar para uma mulher que está sendo estuprada para não reagir? Como falar para alguém que está sendo esfaqueado ‘Não reaja’? Para mim, o discurso deve mudar. Em vez de ‘não reaja’, é melhor aconselhar as pessoas sobre quando e onde é o melhor momento de agir.
Ao que se deve essa propagação do Krav Magá, que chega ser mais popular do que artes marciais milenares?
Krav Magá é uma luta criada no mundo moderno para o mundo moderno. Kung fu, taekwondo, karatê e outras lutas tradicionais têm suas regras na base do respeito e de rituais e cerimônias. Isso não existe no cotidiano. Quem cai primeiro não levanta do chão. No Krav Magá há disciplina, mas não tem torneio, não tem regra, não há limites, qualquer coisa é válida para você preservar sua integridade.
Há espaço, dentro dessa prática, para aqueles que buscam somente o bem-estar de uma atividade física?
Apesar de o objetivo ser aprender a responder à violência, a verdade é que muitos alunos vêm somente para desestressar. Por isso, muitas famílias se matriculam juntas. A progressão de cada um, homem, mulher ou criança, acontece junto, e pai e filho, por exemplo, podem ter a mesma faixa. O Krav Magá não é somente uma técnica de defesa pessoal, mas um caminho para a vida. Alguns dos seus principais ganhos são organização pessoal, equilíbrio físico e controle emocional.