Giovanna Lancellotti: “Me posiciono em qualquer situação”
Atriz de 'O Lado Bom de Ser Traída' fala sobre assédio na vida real e cenas de sexo na ficção
Sempre sonhei em fazer cinema, mas nunca esperei protagonizar um filme como O Lado Bom de Ser Traída (há semanas no topo da Netflix). É claro que eu desejava uma personagem que me proporcionasse essa virada de menina para adulta. Em 2023, fiz 30 anos. E, apesar de ter cara de novinha, comecei a atuar aos 17. Só não imaginava ser uma mudança tão brusca na carreira. A primeira pessoa que lê meus roteiros — e guarda todos eles — é a minha avó. Sempre peço a opinião dela. Mas, para essa produção, fiquei com medo de mandar. Enfim, ela leu e falou: “Nossa, Giovanna, é forte, né? Mas é bom. Acho que você deve fazer”. Com esse veredicto, segui em frente.
É óbvio que as cenas de sexo do filme chamam muita atenção. Estava com um pouco de medo de como seria a reação das pessoas comigo. De qualquer forma, fiquei feliz ao perceber que minha atuação sobressaiu. Não sou careta, sou livre em vários aspectos, mas, nessa questão da sexualidade, do corpo e da nudez, sempre fui mais reservada. Por isso digo que a Babi, a personagem, foi um grande desafio profissional. Me tirou totalmente da zona de conforto.
Nunca imaginei que pudesse estar tão exposta e vulnerável em cena. E, graças a Deus, não passei por nenhuma situação desagradável ou constrangimento por causa do filme. Já passei, sim, em outros momentos, na vida real. Sofri um assédio aos 14 anos, quando um homem se sentou ao meu lado no ônibus e se masturbou. Eu reagi, gritei, liguei para a minha mãe, e o cara foi expulso. Sou privilegiada porque tive informação, diálogo aberto com a minha família, fui instruída e soube reagir. E, como tenho personalidade forte, me posiciono em qualquer situação. Sou daquelas que falam: “Olha aqui, gente, em pleno 2023 vocês acreditam nisso?”. Faço o outro passar vergonha. Eu diria para as mulheres que são assediadas que sei quanto é difícil: então não guardem para si, compartilhem o que aconteceu, não deixem aquele episódio corroer vocês. Ninguém merece viver sozinha com uma coisa tão nojenta. A culpa não é nossa.
E traição? Sim, já fui traída nos meus primeiros relacionamentos. Mas não vou dizer que fui uma jovem traumatizada por essas experiências. Sempre fui alto-astral, cheia de amigos, ainda que tenha batido certo receio de me envolver, de me apaixonar. Isso foi quebrado no dia após dia. E, se existe um lado bom de ser traída, como no filme, no meu caso é estar hoje com o Gabriel, meu namorado. Se os outros não tivessem me traído, não estaria com ele agora.
Olha, quando achei que esse filme seria meu maior desafio, veio outro capaz de superá-lo, só que um problema de saúde. Comecei a gravar um longa de ação, em que faço cenas de lutas, perseguições, escaladas. Já com tudo ensaiado, eis que sofri um acidente e rompi o menisco e o ligamento do joelho. Tive de parar por três semanas para mergulhar em sessões de fisioterapia duas vezes ao dia, de domingo a domingo. A cirurgia virá depois. Fiquei frustrada.
Toda a sorte que tenho na vida e na saúde mental, eu diria não ter nesse lado ortopédico. Já sofri algumas fraturas, e elas não deixam de ser episódios de superação. Tive de operar o joelho aos 17 anos, rompi os ligamentos dos pés e, no ano passado, o da mão. Agora a dificuldade é gravar com o joelho meio solto. Me faz lembrar da Rochelle (personagem da atriz na novela Segundo Sol, que tinha síndrome de Guillain-Barré, condição autoimune que provoca fraqueza muscular e restrição motora), uma lição inesquecível. Imagina você perder seus movimentos, virar uma tetraplégica do nada e depois voltar a andar? É uma coisa única. Tenho muita fé… E acredito que nada é por acaso. Então temos de ser nossa melhor versão. E, quando esse novo filme sair, aposto que nem vão acreditar pelo que passei (risos).
Giovanna Lancellotti em depoimento dado a Simone Blanes
Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868