Exposição em Londres faz retrospectiva das divas do universo artístico
Mostra reúne dois séculos de glamour, fama e a força inquestionável da moda como símbolo de poder
Musas de pintores e poetas. Ícones de beleza. Mulheres poderosas. Efígies temperamentais. Artistas acima do bem e do mal. Ser uma diva — termo de origem italiana que remete a “deusa” — é algo que já teve inúmeras definições. Mas a palavra fala por si e transcende os anos, os significados e as gerações. Tamanha força e atemporalidade estampam a exposição DIVA, assim mesmo, em capitulares, no Museu Victoria & Albert, em Londres. “A expressão é conhecida em todo o mundo, não precisa de tradução”, diz Kate Bailey, curadora da mostra. Não precisa mesmo.
A exposição é composta de mais de 250 itens originais, entre fotografias, cartazes, revistas e vídeos, que mostram o estilo, a atitude e as lutas de artistas que beberam do glamour e da moda para romper barreiras. Era assim no século XIX e continua a ser hoje, com as estrelas dos megaespetáculos e a explosão de autoestima multiplicada pelas redes sociais. Nada funcionaria, contudo, não fosse o vestuário. Não por acaso, o destaque londrino são sessenta trajes icônicos, feitos por grandes estilistas, como o modelo preto com franjas que Marilyn Monroe usou em Quanto Mais Quente Melhor (1959) ou o vestido carmesim com espartilho desenhado por Christian Dior para Vivien Leigh na peça Duel of Angels (1958).
São exemplos de roupas que reforçam a enorme habilidade das divas em encantar e inspirar o público. Em dois séculos de aventura humana, demasiadamente humana, a regra sempre foi fazer do armário um manifesto público. A trajetória começa com grandes cantoras de ópera, como Adelina Patti e Maria Callas, passa por estrelas de Hollywood nas figuras de Greta Garbo, Marlene Dietrich, Josephine Baker e Mae West — que batalharam por igualdade em um universo dominado por homens — e chega a pop stars contemporâneas do quilate de Rihanna e Beyoncé, que se juntaram ao coro contra o machismo e o racismo, resgatando a atuação no passado nem tão recente assim de musas do jazz como Nina Simone, Ella Fitzgerald e Diana Ross. Sim, tudo vai muito além de rostinhos e vestidos bonitos.
É um equívoco, contudo, imaginar que as divas tenham já nascido divas. É transformação que dá trabalho. Muitas delas foram malvistas ao darem as caras, foram criticadas, achincalhadas, mas venceram. Travaram batalhas contra tudo e contra todos até conseguirem unanimidade, ou quase. “São figuras admiradas também pela forma como brigaram pelo poder”, diz Kirsty Fairclough, autora do livro Diva: Feminism and Fierceness from Pop to Hip-Hop (sem edição em português). Ganham destaque na exposição, portanto, personalidades marcantes como Tina Turner e Cher, ícones da contracultura como Siouxsie Sioux e as camaleônicas e contestadoras Madonna, Lady Gaga e Björk. Ressalte-se, sem um pingo de surpresa, é verdade, que nem toda diva é do gênero feminino, simples assim. A DIVA do museu valoriza a diversidade andrógina da cantora e compositora britânica Annie Lennox e também o estardalhaço visual de astros gays como Freddie Mercury, Prince e Elton John. Por meio do visual chamativo, repleto de plumas e saltos altos, eles foram fundamentais nas lutas pelos direitos LGBTQIA+. Fizeram, portanto, o conceito de diva sair do quadradinho antes estabelecido.
Há, porém, um aspecto que parece não mudar, e que faz as divas ainda mais interessantes: a contradição permanente entre a fama e a busca impossível pela discrição doméstica; o aparente controle do que ostentam diante da pressão da indústria; o privilégio do ponto de vista monetário e a busca incessante por algum tipo de trabalho social. As divas não podem ser vistas de um único prisma — e hoje, no império do Instagram, do TikTok, universo controlado pelas redes sociais, parece ainda mais complicado proteger-se, na defesa de uma aura mítica, intocável. Ser diva é duro.
E, contudo, diva que é diva segue tendo luz própria, o magnetismo inquebrantável. Sabe usar a chama para seduzir e enfeitiçar fãs e seguidores, mantendo ou quebrando paradigmas estabelecidos na arte e na moda. Administram as próprias fragilidades, fingem ser a fortaleza que podem não ser. A altivez é a norma, até porque sem ela o edifício ruiria. Como diria Marilyn Monroe, amada por plebeus e gente de sangue azul, o totem dos totens, afeita a desfilar em quartos e corredores presidenciais: “Mulheres comportadas raramente fazem história”. É isso.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854