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Em Berlim, a liberdade de frequentar piscinas de topless agora é regra

Ao contrário da Europa liberal, no Brasil a mulher que exibir os mamilos pode ser presa

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 10 abr 2023, 10h06 - Publicado em 9 abr 2023, 08h00

O poema Erro de Português, de Oswald de Andrade, ironiza o espanto de Pedro Álvares Cabral e sua comitiva com a nudez dos indígenas, quando as primeiras caravelas aportaram na costa da Bahia, sob intensa chuva. Para o escritor modernista, “fosse uma manhã de sol, o índio tinha despido o português”. Chistes literários à parte, o fato é que, independentemente do clima, a tradição e a moral católica impuseram logo que toda nudez seria castigada em terras brasileiras, com uma ou outra exceção nos desfiles de Carnaval. Até mesmo na praia, ambiente informalíssimo onde corpos desfilam cobertos por exíguas tirinhas de tecido, os mamilos femininos seguem proibidos, podendo levar a exibicionista a ser indiciada pelo crime de ato obsceno, com punição que varia de três meses a um ano de detenção. “O nu, no Brasil, sempre foi sexualizado, performático, estilizado e produzido para o público masculino. Não tem nada a ver com o corpo real das pessoas comuns”, explica a antropóloga Mirian Goldenberg.

Na Europa, o que não pode aqui é amplamente aceito por lá há décadas, um traço cultural que acaba de ganhar arcabouço formal: na Alemanha, país onde se despir nos parques para tomar sol no verão é tradição, a prefeitura de Berlim decidiu que as mulheres podem frequentar piscinas públicas com os seios à mostra. A legalização da prática é consequência da ação movida na Justiça por uma jovem que havia sido expulsa de um clube por fazer topless e vem reforçar a chamada freikörperkultur — “cultura do corpo livre”, em tradução literal —, motivo de orgulho dos alemães: até a ex-chanceler Angela Merkel confessou ter, na juventude, curtido banhos de lago completamente nua.

Em outros países europeus, como Bélgica, Áustria, Espanha e França, o topless é igualmente aceito com naturalidade (arranhada pelos olhos arregalados e fotos escondidas de certos turistas). “Tudo começou com a busca de um bronzeado uniforme. Nos trópicos, porém, onde o clima quente poderia favorecê-la, o conservadorismo não permitiu que a moda pegasse”, aponta a historiadora Mary Del Priore, que elenca o apreço pela igualdade de gênero e por uma sociedade laica e distante do fanatismo religioso como fatores que levam à maior aceitação da nudez na Europa. A estudante de engenharia carioca Carolina Pires, 24 anos, conta que tomou um susto ao entrar na sauna do hotel austríaco em que estava hospedada. “Todos estavam pelados. Saí correndo, mas depois descobri que isso é normal por lá. Tomei coragem, tirei a roupa e desfrutei do fato de ninguém ficar encarando”, diz Carolina.

AQUI, NÃO - Praia de Copacabana: as exíguas tirinhas de tecido são obrigatórias
AQUI, NÃO – Praia de Copacabana: as exíguas tirinhas de tecido são obrigatórias (Richard Ross/Getty Images)

Nos Estados Unidos, indo na contramão da onda conservadora, estados de maioria republicana como Utah, Wyoming e Kansas descriminalizaram o topless nos últimos anos. Em Nova York, onde a prática é legal desde 1992, acaba de ser inaugurado um restaurante — que se define como “espaço libertador que celebra nosso eu mais puro” — em que as pessoas só podem se sentar à mesa completamente peladas. Mesmo assim, a liberal Ilha de Manhattan não deixou de se escandalizar quando Scout Willis, filha de Bruce Willis e Demi Moore, virou manchete dos jornais por andar pela cidade com o torso à mostra, criando um bafafá que levou à fundação do movimento Free the Nipple (liberdade para o mamilo). Militante da causa, a atriz Bruna Marquezine foi tachada de vulgar e bateu boca na internet depois de aparecer com um vestido transparente e sem sutiã na Semana de Moda de Paris. “Aqui, isso é normal. Não é essa cafonice do Brasil, que só aceita ver teta em carro alegórico”, respondeu a atriz aos haters.

Houve um momento em que o top­less chegou perto de se instaurar nas praias brasileiras. Nos anos 80 e 90, em plena ressaca da ditadura militar, era comum topar nas areias de Ipanema com Monique Evans e outras celebridades com os seios à mostra, mas a prática foi rareando e atualmente se limita, quando muito, a um cantinho do Leme. No ano passado, a produtora cultural Beatriz Coelho, ex-namorada da atriz Camila Pitanga, chegou a ser detida por policiais por surgir de peito aberto em uma praia no Espírito Santo. Na delegacia, com os pés algemados a uma cadeira, indignou-se ao deparar com um homem aguardando atendimento sem camisa. O caso inspirou o deputado federal Paulo Ramos (PDT-RJ) a propor uma alteração no Código Penal para descriminalizar de vez o topless. “O que percebemos é um padrão repetitivo que busca reprimir e controlar a exposição do corpo feminino, hipersexualizando-o sempre que possível”, argumenta Ramos. O projeto está parado na Câmara, tão escondido quanto os mamilos nas praias nacionais.

Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836

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