Em alto e bom som: CDs, vinis e DVDs ressurgem na pandemia
Velhas plataformas fazem a cabeça de colecionadores e oferecem novas oportunidades de negócios
Os discos de vinil e os CDs já foram dados como extintos muitas vezes. Para quem se acostumou a abrir um aplicativo e acessar imediatamente uma parcela considerável das músicas gravadas nos últimos 100 anos, o ritual de pôr um disco para tocar em um sistema de som parece algo tão antiquado quanto sem sentido. Ano após ano, contudo, essas plataformas continuam sendo fabricadas para saciar o espírito nostálgico dos fãs. A novidade é que, agora, não é apenas o público de nicho que está interessado em reviver o passado. Tanto é assim que, em 2021, as vendas de CDs cresceram pela primeira vez em dezessete anos. Segundo a consultoria MRC Data, 40,6 milhões de unidades chegaram às mãos dos usuários em todo o mundo, sinal inequívoco do renovado interesse pela mídia física. Os dados de vendas de LPs tornam o fenômeno ainda mais visível. As cópias saltaram de 27,6 milhões em 2020 para 41,7 milhões em 2021. No fim do ano, durante o período de compras de Natal, a venda de vinis atingiu os mesmos patamares de 1991 — portanto, de trinta anos atrás, quando era a mídia dominante.
Alguns dos maiores lançamentos recentes da indústria fonográfica ajudaram a impulsionar os números. A britânica Adele quebrou um jejum de seis anos sem novidades com a apresentação do álbum 30, que teve no formato de CD uma aposta que revelou-se irresistível. Não à toa, 30 liderou as vendas de CDs em 2021. Até os suecos do ABBA saíram da aposentadoria para lançar o primeiro disco de músicas inéditas em quarenta anos, e Voyage acabaria sendo o LP mais vendido da temporada. Outros pesos-pesados, como a americana Taylor Swift e os sul-coreanos do BTS, provaram que os jovens também compram discos físicos.
O rejuvenescimento da paixão pelas velhas plataformas é um fenômeno observado no Noize Record Club, o mais popular clube de assinatura de vinil do Brasil. “Não dá para traçar um perfil único do consumidor, mas temos, sim, gente jovem, que não viveu o período do vinil”, diz o fundador Rafael Rocha. O clube existe há oito anos, mas ganhou assinantes em ritmo acelerado desde o início da pandemia. Em seu catálogo, oferece lançamentos de artistas jovens e trabalhos há muito fora de circulação.
Os benefícios dos discos, como a qualidade sonora, são bem conhecidos. Mas isso não explica o fenômeno por inteiro. O caso recente envolvendo o músico canadense Neil Young e o Spotify mostrou que o streaming está longe de ser um modelo definitivo. Preocupado com o conteúdo negacionista veiculado no podcast do apresentador Joe Rogan, Young retirou seu vasto catálogo do ar. De um dia para o outro, assinantes do serviço ficaram sem os trabalhos do músico. Solidários, outros artistas seguiram o mesmo caminho. Para uma parcela dos fãs, ficou claro que pode ser interessante ter uma cópia de seus discos preferidos na segurança da biblioteca (física) de casa.
No caso do cinema, a situação é ainda mais dramática. Quem procura por alguns dos maiores clássicos da sétima arte, como Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa, ou Cidade dos Sonhos, de David Lynch, vai descobrir que eles não estão disponíveis em nenhuma plataforma. É por isso que colecionadores estão dispostos a gastar pequenas fortunas em edições luxuosas desses títulos em blu-ray ou DVD. Algumas empresas, como a Versátil Home Video, voltaram a prensar blu-rays para atender aos consumidores.
Apesar dos avanços recentes, existem barreiras para que o movimento ganhe popularidade. Há uma escassez de bons aparelhos disponíveis, tanto toca-discos quanto leitores de blu-rays. As fábricas atuais não suportam a demanda. Os assinantes do Noize, por exemplo, receberão apenas no fim do mês o disco anunciado em outubro de 2021. E o preço das mídias ainda é pouco acessível para a maioria. Há interesse em manter as coleções físicas, mas o mercado precisa encontrar maneiras de atender a um público crescente. O passado vive.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776