Em alta, SUVs representam quase metade dos carros vendidos no Brasil
Apesar do programa de incentivos do governo, o brasileiro não quer saber de carro popular

Houve um tempo, não tão distante, em que o mercado de carros no Brasil era dividido basicamente em apenas duas categorias: os hatchbacks, ou hatches, e os sedãs. Os hatches, compactos, eram os preferidos daqueles que buscavam um veículo pequeno, de valor acessível, e econômico em termos de gasto de combustível. Por sua vez, os sedãs ofereciam porta-malas espaçoso e mais conforto. Para quem pretendia acomodar uma família maior, havia as peruas, mas sua participação no mercado sempre foi irrisória. O último grupo era ainda mais insignificante, reduzido: os SUVs, sigla para veículos utilitários esportivos, seduziam apenas os entusiastas do off-road. Agora, o cenário mudou por completo — são justamente esses grandalhões que encantam os consumidores. Dados da Fenabrave, a associação dos distribuidores de veículos, indicam que 46% dos veículos vendidos no primeiro trimestre de 2023 são SUVs, e projeções apontam que esses modelos deverão superar a marca de 60% em cinco anos, no máximo.

Não se trata de fenômeno brasileiro. No mundo, os SUVs já representam quase 50% de todos os veículos emplacados. É uma tendência forte em todos os segmentos, de marcas tradicionais a montadoras de luxo. O Urus, da Lamborghini, é o modelo mais vendido da história da fabricante italiana. Até a Ferrari, ícone entre os esportivos, lançou o Purosangue. Fez isso a contragosto para se adequar ao momento do mercado.

A busca desenfreada pelos utilitários se deve a uma maior percepção da qualidade desses tipos de veículo em comparação com concorrentes de outras categorias. “Quando os SUVs foram lançados, no início dos anos 2000, todos os equipamentos com maior tecnologia foram introduzidos neles”, diz Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics. “Isso fez com que esses carros fossem vistos como mais luxuosos do que a média.” A percepção se mantém até hoje, e as montadoras aproveitam a fama para instalar algumas de suas principais inovações nos modelos mais procurados, como telas maiores, sensores inteligentes e direção assistida. Muitos são vendidos com acabamento caprichado.

É por isso que um número crescente de motoristas decidiu abandonar os hatches médios em favor dos SUVs. Embora os utilitários sejam mais caros, há uma noção de que entregam muito mais tecnologia e conforto por um acréscimo de preço que, afinal, faz sentido. Não à toa, em sites de revenda de veículos os SUVs são os mais buscados, muito à frente dos hatches. “Se um hatch custa 90 000 reais e um SUV, 100 000, o consumidor fica disposto a pagar mais por um veículo maior, mais moderno, com maior capacidade e que desvaloriza menos”, diz Kalume Neto.
O aumento do valor dos carros antes considerados “populares”, como os hatches compactos e subcompactos (categoria que inclui os menores veículos do mercado, mais leves e econômicos, com menos equipamentos), é outro fator decisivo. Com a disparada nos preços, muitos preferiram buscar um SUV usado, mas com mais itens inclusos, a investir até 70 000 em um carro “pelado”. Agora, o governo federal anunciou uma medida provisória com validade de quatro meses que determina descontos para ampliar o acesso a veículos novos. Enquadram-se no benefício modelos de até 120 000 reais, e é preciso atingir pontuações altas em quatro critérios para garantir maior abatimento nos preços. Modelos compactos, como o Renault Kwid, tiveram os maiores descontos, mas até o Jeep Renegade, um dos SUVs mais vendidos da história, entrou na lista após redução no valor de fábrica pela montadora. Com tudo isso, a venda de utilitários deverá subir acima dos 50% nos próximos meses. A era dos grandalhões é incontornável.
Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845