Doce recomeço: por que cada vez mais mulheres decidem ter filhos na maturidade
Com os avanços da medicina e os recentes arranjos familiares, elas têm 1 milhão de histórias para contar
A criação de filhos é daquelas tarefas que envolvem muitas camadas de afeto e elevadas doses de cansaço, tamanha a lista dos cuidados com o bebê. Quem é mãe sabe: são fraldas para trocar, noites insones em série e incertezas existenciais, sobretudo na maternidade de primeira viagem. Aí eles crescem e, ops!, o rol de afazeres não cessa, mas muda de tonalidade conforme as questões adolescentes se avizinham. É uma jornada intensa que, normalmente, as mulheres experimentavam em uma única etapa da vida, ao dar os primeiros passos para valer na fase adulta — e pronto. Mas, como tantas coisas que mudaram neste globo que não para de girar, também essa lógica já não é mais a mesma. Com a ciência esticando o período em que podem ter filhos — seja pela segurança conferida no pré-natal, seja por avanços que permitem adiar a gravidez com métodos como o congelamento de óvulos —, um crescente número de mulheres repete a dose mais tarde, já maduras, e tem 1 milhão de histórias para contar.
O assunto, que é alvo de pesquisas entre expoentes da demografia e da sociologia mundo afora, veio à luz no Brasil com a recente notícia de que Giselle Bündchen, 44 anos, está grávida do namorado, o professor de jiu-jítsu Joaquim Valente, 35, há cinco ou seis meses — tema sobre o qual ela preferiu silenciar, limitando-se a confirmar a gestação. Enquanto a barriga desponta, a modelo anda, em paralelo, às voltas com a educação de Benjamin Rein, de 14 anos, e Vivian Lake, de 11, ambos do casamento de mais de uma década com o jogador de futebol americano Tom Brady. Implacáveis, as redes dispararam: “É velha demais! Vai parecer avó do filho!” Não acontece só com ela, não. Essa aura de preconceito ainda ronda mulheres que se aventuram pelo universo das mamadeiras após os 40 — um contingente que, segundo o IBGE, expandiu-se 66% em pouco mais de dez anos. “Elas se sentem mais livres e enxergam hoje possibilidades que eram impensáveis décadas atrás”, afirma a socióloga Daniela Rosa, da Unicamp.
Os especialistas no tópico — uma novidade entre várias nos arranjos familiares modernos — enxergam na opção da ala feminina que se embrenha pela maternidade quando os primeiros rebentos já estão mais independentes, e elas próprias se veem alçando seus voos com menos amarras, alguns traços em comum. Além do ânimo para recomeçar anos mais tarde, ter filhos com maior estabilidade financeira e maturidade traz às mulheres mais leveza para enfrentar as alegrias e asperezas da função. A contadora Aline Pinto, 44 anos, ainda estava terminando o ensino médio quando soube estar esperando Lucas, hoje com 25, do então namorado, com quem é até hoje casada. A vida deu uma guinada. “Era inexperiente aos 18, mas fiz o melhor que podia”, lembra. Na beira de chegar aos 40, a carioca decidiu que era a hora de passar por tudo outra vez. “Fiz exames, tomei medicações e a ginecologista disse que estava saudável para engravidar”, conta ela, que se sente mais preparada agora, como mãe de Ana Carolina, de 4 anos.
Diversas mulheres se queixam do tanto de cobranças que recaem sobre seus ombros em relação ao modo como criam a prole. Não é raro para quem é mãe ouvir julgamentos e ver narizes torcidos diante de questões cotidianas — como lidar com a manha, quais alimentos vetar do cardápio, como alojar a criança no carrinho — até problemas de mais alta complexidade, entre eles, que limites impor e como fazê-los vingar. No final, a experiência familiar pode ser de profunda riqueza — e libertadora para a mulher. “Com mais idade, é normal se importar menos com palpites alheios”, pontua a psicóloga Lidia Aratangy.
A escolha pela maternidade em fase mais avançada da vida tem também a ver com uma marca positiva destes tempos — ao contrário do passado, hoje, quando o casamento vai mal, a união se desfaz, em vez de se arrastar a qualquer custo. E aí entram em cena muitos enlaces selados após os 40, que podem vir junto com a vontade de construir novo núcleo familiar. Ocorreu com a advogada Giovana Plantz, 49 anos, que engravidou de Amanda aos 26, depois que subiu ao altar pela primeira vez. Após uma década, já separada, conheceu o atual marido, que também tinha um filho crescido. Bateu então o desejo mútuo de ter um bebê. “Era para ser um, mas acabaram sendo dois em seguida, no susto. Fiquei desesperada”, confessa ela, que é mãe de Gabriel, 8, e Guilherme, 10. “Apesar de ser cansativo, acho agora mais fácil. Tenho uma rede de apoio que não havia antes”, avalia ela, que, honesta, pondera: “Acho que os hormônios da menopausa provocam uma certa impaciência”.
Sempre que uma celebridade como Gisele faz o assunto ser tão comentado, outras mulheres se sentem mais à vontade para falar. Um dos casos sempre lembrados é o da atriz Gloria Pires, 61 anos, que engravidou de Cleo, 42, atriz como ela, aos 19, durante a relação com Fábio Jr. Casada de novo com o cantor Orlando Morais, teve mais três filhos, Anttónia, Ana e Bento — o caçula completou 20, uma diferença de mais de duas décadas para a primogênita, que acaba sendo um pouco mãe. Há um ano, Claudia Raia chocou muita gente ao anunciar, definindo-se “plena e preenchida”, estar grávida aos 56 — o que certamente demandou mais cuidados médicos, conforme estabelece a ciência, do que quando teve Sophia, de 21, e Enzo, 27. “É um avanço feminino ter liberdade para escolher o tempo da maternidade, mas ainda pesam o machismo e o etarismo contra elas, que têm suas decisões frequentemente questionadas”, observa a socióloga Daniela Rosa.
Interessante notar que ser mãe em etapas tão distintas da existência não é garantia nenhuma de ter todas as respostas na ponta da língua. A atriz Carolina Ferraz, 56 anos, mãe de Valentina, 29, e Isabel, 9, teve de se redescobrir com a chegada da caçula. “Hoje consigo ser mais presente. Antes, trabalhava demais”, afirmou a VEJA. “As duas são completamente diferentes. Isabel é uma criança com outro temperamento. É como se eu estivesse fazendo tudo de novo pela primeira vez”, resume. Como o mundo passou por tão radicais mudanças, a relação com os filhos também precisou se ajustar. “Não dá para achar que repetir a educação dada ao mais velho vai resolver”, enfatiza a terapeuta Lidia Aratangy.
Outro empurrão à maternidade em dois momentos tem a ver com a chamada síndrome do ninho vazio — uma sensação que às vezes faz o peito latejar quando os filhos vão crescendo e trilhando rumo próprio. A independência é desejável, sem dúvida, mas exige dos pais uma adaptação. E alguns encontram a resposta para a mudança tendo outro bebê. É verdade que há mais riscos envolvidos na gravidez depois dos 40, mas a evolução da medicina está aí para ajudar as mulheres. “Gestar é um grande esforço para o corpo, e a mulher deve estar com a saúde física e mental em dia”, ressalta o médico Isaac Moise, especialista em reprodução humana. Isso posto, que todas que decidirem se aventurar outra vez tenham um ótimo recomeço.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição nº 2918