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Destinos perigosos: desastres ampliam o risco de comprar gato por lebre em pacotes de aventura

Empresas oferecem segurança escassa ou nula

Por Natalia Tiemi Hanada Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 jun 2025, 11h10 - Publicado em 27 jun 2025, 06h00

Duas terríveis tragédias comoveram o país nos últimos dias. A publicitária fluminense Juliana Marins, de 26 anos, praticante amadora de trilhas, morreu a caminho do vulcão Rinjani, na Ilha de Lombok, na Indonésia, de paisagem igualmente espetacular e perigosa. Ela fazia um “mochilão” pela Ásia. Juliana ficou quatro dias sozinha, em agonia, presa a um penhasco rochoso. Na cidade de Praia Grande, em Santa Catarina, a queda de um balão incendiado provocou a morte de oito passageiros, quatro deles carbonizados. O piloto da aeronave, Elves de Bem Crescêncio, incapaz de apagar o incêndio a bordo, conseguiu levá-la ao chão. Doze passageiros e ele próprio conseguiram saltar do cesto e sobreviveram. Outra parte do grupo, não, e deu-se o horror porque a peça inflável voltou a subir, para então desfazer-se.

Nos dois episódios, houve alguma negligência ante as regras da natureza — e sobretudo descaso com uma imposição, o respeito a posturas e normas que tendem a reduzir os riscos, embora seja impossível levá-los a zero, dada a origem aventureira das atividades. No caso de Juliana, houve, para começo de conversa, a displicência do grupo e do guia que a acompanhava, deixan­do-a abandonada para trás, em postura que precisa ser investigada na minúcia. Nas redes sociais, em um perfil criado para acompanhar o procedimento de retorno do corpo ao Brasil, os familiares denunciaram o descaso, que, depois, seria parcialmente reconhecido pelo governo da Indonésia. “Se a equipe tivesse chegado até ela dentro do prazo estimado de 7h, Juliana ainda estaria viva. Juliana merecia muito mais! Agora nós vamos atrás de justiça por ela, porque é o que ela merece. Não desistam de Juliana!”, declarou a família nas redes. Houve justificada comoção e agradecimento aos voluntários que, próximo ao Rinjani, tentaram salvá-la por meio de drones, que enviariam alimentos, água e roupas. Em vão.

CONTRASTE - O vulcão Rinjani, na Indonésia: paisagem inebriante mas perigosa
CONTRASTE - O vulcão Rinjani, na Indonésia: paisagem inebriante mas perigosa (Punnawit Suwuttananun/Moment/Getty Images)

Não havia, de modo lamentável, um esquema de comunicação efetiva entre os socorristas e a brasileira. Ela também não levava um kit mínimo de emergência, com manta térmica e rastreador por satélite. Some-se a essas fragilidades uma evidência geográfica que precisaria ser levada em conta, e foi desdenhada pela beleza do lugar. O trajeto até o cume do vulcão pode levar até quatro dias, o que pressupõe bom preparo físico. Não se trata, é natural, de pôr a responsabilidade na vítima, que deveria seguir as recomendações e preparos sugeridos, mas houve descuido, associado ao fatal descaso dos profissionais que a seguiam — e que exige, por óbvio, investigação policial. Não se deve esquecer, por fim, mas com igual relevo, a falta de estrutura da localidade na Indonésia, sem coleta de lixo, nem banheiro, nem sobretudo informações sobre o nível de dificuldade da empreitada.

O desastre de Santa Catarina tem componentes ainda mais problemáticos. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), não há nenhuma operação de balão certificada pelo órgão para atuar de forma comercial. Somente quatro empresas brasileiras fizeram o pedido oficial, mas nenhum dos processos avançou. No balonismo profissional, o operador precisa ter a Licença de Piloto de Balão Livre em vigor — documento que Crescêncio, o comandante, não tinha. Como sempre, apenas depois da catástrofe é que haverá a movimentação que previamente inexistiu, de vigilância e controle. A letra miúda das determinações da Anac é nítida ao informar que a exploração comercial de atividades aéreas sem autorização é “proibida por lei e a agência não concede autorização para exploração de atividades aéreas que utilizem aeronaves não certificadas ou que sejam realizadas por pessoas não habilitadas”. Crescêncio, o proprietário majoritário da empresa Sobrevoar, que opera há quatro anos em Praia Grande, pode vir a ser responsabilizado dolosa ou culposamente pelas mortes e lesões. Por ora, ele vive na corda bamba de duas pontas de uma mesma desventura. Seu advogado o trata como herói por ter descido o balão incendiado para salvar as doze pessoas que conseguiram saltar do cesto. Do ponto de vista da polícia, pode ter havido abandono de oito turistas.

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FOGO - O balão incendiado em Santa Catarina e seu dono e piloto, Elves de Bem Crescêncio: sem certificação para operar e sem a licença profissional em dia
FOGO - O balão incendiado em Santa Catarina e seu dono e piloto, Elves de Bem Crescêncio: sem certificação para operar e sem a licença profissional em dia (Fotos/Reprodução)

Os dramas da Indonésia e de Santa Catarina, diferentes em muitos aspectos, têm um ponto em comum, que deixa uma lição relevante: toda cautela é pouca, especialmente quando se mistura algum tipo de desprendimento pelo risco com o descaso às regras. Não se deve descartar, com ênfase, as preocupações preliminares. Só deve embarcar em aventuras quem realmente estiver preparado, tanto do ponto de vista do corpo quanto de equipamentos de segurança — embora mesmo esportistas muito bem preparados e experientes possam vir a morrer, como aconteceu com o alpinista brasileiro Edson Vandeira, de 36 anos, fotógrafo profissional, engolido pela imensidão do pico nevado Artesonraju, de 6 025 metros, na Cordilheira Blanca, dentro do Parque Nacional Huascarán, no Peru. Ele e dois guias que o acompanhavam tinham sumido havia vinte dias, e apenas na semana passada tiveram seus corpos encontrados.

Destaque-se, ainda, no caso de turistas sem preparo, o risco de caírem na desonestidade de empresas de excursão que oferecem armadilhas ao vender gato por lebre. “Não dá para rebaixar a natureza à nossa estatura”, diz Ricardo Barros, diretor técnico do Clube Niteroiense de Montanhismo. “É preciso sempre entender as características do destino, os riscos e a capacidade de enfrentá-­los.” Não é possível ter como rede de proteção somente os procedimentos de resgate do passeio ambicionado — e na Indonésia, reafirme-se, é tudo muito precário e demorado, com grupos de mais de dez pessoas acompanhados por apenas um guia local.

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VINTE DIAS DESAPARECIDO - O fotógrafo Edson Vandeira: morte no Peru
VINTE DIAS DESAPARECIDO - O fotógrafo Edson Vandeira: morte no Peru (./Reprodução)

No Brasil, depois das chamas no balão, não haveria muito a fazer. E ficará na memória de uma semana triste uma postagem da própria Juliana no Instagram, a derradeira. Diante de um lindo pôr do sol na Indonésia, ela escreveu: “Never try, never fly”, algo como “se você nunca tentar, nunca voará”. Para que fatalidades como a da sorridente moça, a do balão e a do jovem no Peru não se repitam, é bom sempre desconfiar do que as companhias de turismo oferecem como garantias.

Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição nº 2950

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