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Como uma fotógrafa registou o cotidiano da população durante a ditadura militar

Exposição de Stefania Bril em cartaz no Instituto Moreira Salles mostra como imagens de cidades e retratos dizem muito sobre a história do país

Por André Sollitto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 set 2024, 17h36 - Publicado em 16 set 2024, 11h28

Entre os grandes temas da fotografia, os registros do cotidiano não ocupam exatamente uma posição de destaque. Os maiores prêmios costumam valorizar as imagens mais impactantes dos principais acontecimentos da história. Ou então retratos de figuras populares e poderosas. Ou ainda fotografias impressionantes da natureza e dos animais. Mais prosaicos, os cliques da vida, do dia a dia das cidades e do trabalho das pessoas são menos reconhecidos. Mas uma nova exposição mostra que esse tipo de imagem pode ser tão crítico e ter tanto a dizer quanto os registros mais espetaculares do fotojornalismo.

Em cartaz na unidade de São Paulo do Instituto Moreira Salles até 26 de janeiro de 2025, a mostra Desobediência pelo afeto reúne 160 fotografias de Stefania Bril (1922-1992), crítica, fotógrafa e curadora de origem polonesa. Trata-se da primeira exposição dedicada à fotógrafa em 30 anos. A última, póstuma, foi organizada pelo marido de Bril na antiga Casa de Fotografia Fuji, instituição concebida por ela que foi o primeiro centro cultural dedicado apenas à fotografia. Nos últimos tempos, seu nome foi mais associado à agitação cultural que promoveu até o final da vida. Mas sua obra fotográfica, composta por mais de 11 mil negativos, vem sendo resgatada e valorizada.

“A fotografia do cotidiano, da esfera doméstica, muitas vezes foi considerado banal no pior sentido da palavra, sem importância”, afirma Miguel del Castillo, curador da mostra ao lado de Ileana Pradilla Ceron. “Mas Stefania, quase como um ato de desobediência, evitou os grandes temas e insistiu no cotidiano, mostrando que ele era um espaço de resistência”. Especialmente considerando o período em que ela fotografou, nos anos 1970, no pior momento da ditadura militar, pós AI-5 e antes da abertura.

Autorretrato de Stefania Bril, 1971 -
Autorretrato de Stefania Bril, 1971 – (Acervo Instituto Moreira Salles/Acervo Stefania Bril/Divulgação)

A exposição reúne dois grandes grupos de imagens: as cidades e as pessoas que as habitam. “Foi uma curadoria a quatro mãos. Olhamos os negativos e fomos selecionando as fotografias que mais nos chamavam a atenção, pensando em como podíamos agrupá-las tematicamente”, conta Castillo. “O núcleo da cidade logo se destacou, mas descobrimos seu lado retratista”. Dentro do núcleo das cidades, por exemplo, há registros lúdicos, ao mesmo tempo que em que a artista fazia uma crítica da sociedade e das falhas dos grandes centros urbanos. Em uma das séries, trabalhadores são vistos dormindo pelas ruas, de forma improvisada, como se esmagados pelas demandas do capitalismo. Em outra, Stefania busca o humor e o afeto como áreas de respiro em um ambiente hostil. “Ela fotografou outras metrópoles, mas não era uma documentação urbana per se. Ela não queria mostrar o que era Nova York ou Paris, mas onde a cidade falha e onde há vida comunitária”, afirma o curador.

Na sequência de retratos, Stefania Bril usa a câmera como forma de criar conexões. “Essa percepção tem muito a ver com a biografia dela. Stefania sobreviveu ao Holocausto com documentação falsa, sem poder se encontrar com membros familiares do núcleo mais íntimo. É como se ela respondesse a isso, a uma vivência de outra forma, se abrindo para os encontros com as pessoas”, diz Castillo.

Vistas hoje, além de oferecer uma perspectiva diferente sobre a vida durante o período mais pesado da ditadura militar no Brasil, as imagens de Stefania Bril têm atualidade. “A mostra tem duas premissas: mostrar qual era o modo de ver da fotógrafa, e o que esse modo de ver nos diz”, conta Castillo. “E ele nos diz muito sobre exclusão e opressão e sobre como a vida e a diversidade conseguem florescer nesse cenário”. Não à toa, segundo o curador os visitantes mais jovens da exposição têm assimilado sua obra de forma natural. “Há uma identificação muito rápida com o trabalho.”

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“Não Pise na Grama, Mercado, Campos do Jordão”, 1973 – (Acervo Instituto Moreira Salles/Acervo Stefania Bril/Divulgação)

Além das fotografias, há uma seleção de vídeos e documentos que mostram seu trabalho como crítica, incluindo uma seleção de resenhas que fez do formato hoje conhecido como fotolivro. É uma maneira de entender seu pensamento vanguardista sobre um formato que embora tenha aparecido nos anos 1950, como um trabalho com proposta sequencial e amarrado de forma temática, ganhou enorme popularidade anos depois de sua morte, a partir da década de 2000. “É uma visão bem adiantada em relação às possibilidade gráficas e narrativas de um livro de fotografia”, afirma o curador.

A mostra fica em cartaz no IMS da Avenida Paulista, em São Paulo, até o dia 25 de janeiro de 2025. Para quem não mora na cidade há a possibilidade de comprar o catálogo da exposição, com todas as imagens reunidas, além de textos críticos.

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“Construção/Destruição, Avenida João Dias, São Paulo, 1973” – (Acervo Instituto Moreira Salles/Acervo Stefania Bril/Divulgação)
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