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Como estilista entrou para a história da moda com um desfile de papel

Há 20 anos, Jum Nakao levou o público às lágrimas com manifesto contra a globalização da indústria tomada pela fast-fashion "barata e sem alma"

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 jun 2024, 12h17 - Publicado em 27 jun 2024, 08h00

Há exatos 20 anos, o Brasil presenciou o mais surpreendente desfile da história da moda brasileira: A Costura do Invisível, de Jum Nakao – ou como ficou conhecido aqui e internacionalmente: O desfile de papel.

Apresentado durante o São Paulo Fashion Week, em junho de 2004, a apresentação só foi revelada como uma performance na última hora, inclusive para as modelos que foram vestidas com as peças feitas em vários tipos de papel, de diferentes gramaturas e utilizando diversas técnicas de texturização, renda e corte a laser.

“O desfile foi um manifesto contra a globalização do mercado, que ao exigir cada vez mais uma moda rápida e barata, sem se importar com a ética e dignidade dos trabalhadores, destruía a identidade da moda nacional construída durante as décadas de 1980 e 1990”, diz Jum Nakao a VEJA.

Na época, a moda brasileira vivia um auge, com estilistas como Alexandre Herchcovitch, Ronaldo Fraga, Gloria Coelho, Reinaldo Lourenço e o próprio Jum Nakao colhendo os frutos dessa construção de identidade, inclusive com projeção internacional. Toda essa atenção para o Brasil coincidiu com a chegada da fast-fashion e tecidos mais baratos, vindos principalmente da China, o que gerou uma pressão aos estilistas nacionais para se tornarem competitivos e baixarem seus preços, mesmo que para isso tivessem que abrir mão da qualidade da roupa e comprometer seus processos criativos e de produção. “Por isso, decidi colocar tudo em papel, a matéria mais frágil, transitória e efêmera, que não tem valor nenhum e seria rasgado ao final”, explica Nakao.

Papel Rasgado, Moda Dilacerada

Jum utilizou uma tonelada de papel na construção do cenário e das roupas que levaram mais de 700 horas de trabalho, envolvendo cerca de 200 profissionais. Foi assistido por 1300 pessoas, que encantadas, embarcaram na atmosfera de sonho proposta pelo estilista, com suas bonecas “Playmobil” vestindo delicadas peças brancas. No final, quando começaram a rasgar todo o papel, a maior parte da plateia não segurou as lágrimas, assim como as modelos, pouco antes nos camarins, quando souberam que teriam que fazer isso como parte da performance.

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“Impregnamos esse papel de algo fantástico, uma carga muito grande de afeto, e que vimos ser destruídos como estava sendo massacrada a moda brasileira. Ao final do desfile, vi as pessoas invadirem a passarela para tentar pegar cada pedaço como uma forma de manter uma memória, uma lembrança do que a moda representava e, a partir dali, se tornava algo sem alma, sem discernimento e entendimento do que é uma entrega”, reflete o estilista. “A moda estava literalmente se entregando, se vendendo por vantagens numéricas, então para mim, era o fim de um sonho, onde tudo o que realmente importava estava sendo esquecido.”

Fim da Linha?

O desfile de papel de Jum Nakao foi o último do estilista, que encerrou sua marca homônima naquele ano. Em 2005, foi considerado o desfile da década por voto popular e, no ano seguinte, reconhecido como uma das maiores passarelas do século pelo Museu de Moda da França (Musée Galliera). Atualmente, Jum Nakao desenvolve projetos especiais para marcas, é professor e trabalha com consultoria de moda.

“Hoje vejo que não fui capaz de predizer algo muito pior, e que a gente vive atualmente. Chegamos quase no fim do abismo com uma situação em que a indústria da moda esgota os recursos, massacra as pessoas que escraviza e coloca em risco a existência do planeta, além de viver uma alienação total em um mundo irreal e sem conexão, que relaciona a felicidade à aparência e ostentação instagramável”, afirma Nakao. “Infelizmente, parecer é mais importante do que realmente ser ou estar”, finaliza.

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Confira o vídeo do desfile de papel Costura Invisível de Jum Nakao

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