Coleção esgotada com Dolce&Gabbana mostra o apelo fashionista da Havaianas
Famosos chinelos de dedo tipicamente brasileiros viraram febre mundial — modelos com a grife italiana foram totalmente vendidos em 48 horas
Parecia venda de ingressos de show internacional. Dezenas de pessoas aguardavam ansiosas pela abertura de uma loja temporária, no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo, numa fila quilométrica. A espera, porém, nada tinha a ver com astros da música, e sim com chinelos. A turma ali reunida estava ansiosa para desembolsar 350 reais por um par das sandálias feitas em colaboração entre a marca Havaianas e a grife Dolce&Gabbana. Apesar do valor muito acima do praticado nas versões mais simples, os quatro modelos com estampas assinadas pela dupla italiana esgotaram em menos de 48 horas, além do lote vendido por e-commerce na véspera. A collab internacional representa um salto relevante e aplaudido para a grife brasileira e mostra o apelo fashionista das alpargatas de dedo, ou flip-flops, como são conhecidos lá fora. Virou moda, ganhou relevância e não há mais como frear a toada. É filme que vem rodando há algum tempo, mas deu agora o maior e mais celebrado de seus passos.
Não se trata, é verdade, da primeira parceria da Havaianas. Modelos assinados com H.Stern, Missoni, Yves Saint Laurent e a japonesa de streetwear Bape já chegaram ao mercado em passado recente. Em 2023, um acordo com a atriz americana Barbie Ferreira ganhou vitrines em renomadas redes de varejo global, como Selfridges e Galerie Lafayette. Mas a união com a Dolce&Gabbana, que deve ganhar nova coleção ainda neste ano, dá o tom ruidoso e colorido da fase atual.
Mas, afinal, como um simples calçado feito de borracha, útil mas insosso em seus primórdios, chegou a tal patamar? A história começa em 1962 com o lançamento do modelo clássico, Tradi, inspirado na sandália japonesa Zori. Logo chamou a atenção pelo curioso formato, que lembrava um grão de arroz, e pelo preço de banana, quando a banana era barata. Na época, era vendido em peruas da Volkswagen nas cidades do interior. Na década de 1980, virou peça de sobrevivência de trabalhadores, a ponto de entrar até na cesta básica estipulada pelo Ministério da Fazenda. O desejo de ter um deles, porém, ultrapassava as classes de menor poder aquisitivo. Foi assim que surgiu o slogan “todo mundo usa”, nos anos 1990.
O momento de virada, atalho para o domínio global, aconteceu na Copa do Mundo de 1998, na França, com a criação da Havaianas Brasil, modelo que leva a bandeira nacional na tira. A derrota brasileira na final fez com que as sandálias encalhassem no país de Ronaldo e Zagallo, mas viraram sucesso na Europa. “Mandamos o chinelo verde-amarelo para lá e explodiu”, diz Maria Fernanda Albuquerque, vice-presidente global de marketing da Havaianas. “Até hoje, é a linha mais vendida internacionalmente”. E dá-lhe “viralização”, com o apoio de uma ideia esperta, a distribuição para atores e atrizes que disputavam o Oscar em 2003.
Não demorou, no casamento da propaganda com a utilidade (e alguma beleza, o.k.), para a influência crescer. Etiquetas de luxo como Chanel, Gucci, Valentino e Louis Vuitton já têm chinelões no catálogo, inspirados no pecado original. Busca-se o clássico, sem dúvida, como toque nostálgico, mas a festa nos pés agora é feita também de materiais como camurça e couro. O que importa é ter os dedos livres e soltos, de unhas pintadas. E quando nomes como Leighton Meester, Uma Thurman e Jennifer Garner querem parecer despojadas, mas chiques, não há dúvida: apelam para Havaianas e seus pares. Gastam os tubos, mas exalam simplicidade. Eis a regra do jogo.
Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898