Carta ao Leitor: As más influências
Aonde chegaremos se a principal fonte de conhecimento da sociedade estiver atrelada aos 'influencers', cidadãos que nem sempre sabem o que dizem?

Em um celebrado e histórico artigo escrito em 2008 para a revista americana The Atlantic, o jornalista e pesquisador Nicholas Carr inaugurou uma provocação: a internet estaria nos deixando burros. Ou melhor: estaria roubando a paciência do ser humano para leituras e reflexões mais atentas. E nosso cérebro, com o tempo, se adaptaria triste e inelutavelmente a essa condição. Onde antes havia mergulhos profundos instalou-se o voo rasante e superficial. Lá se vão quase quinze anos, uma eternidade em tempo de redes sociais, e o prognóstico de Carr, ancorado em estudos comportamentais, parece ter chegado ao seu apogeu com a maré de influenciadores digitais — ou influencers, o termo em inglês, como gostam de ser chamados no Brasil, em postura provinciana.
Há, como em tudo na vida, as boas exceções, pessoas sérias que usam a tecnologia com inteligência e elegância, mas elas confirmam a regra: vivemos o tempo de uma praga que está provocando danos imensos, com a construção de uma sociedade inundada por informações falsas e teorias da conspiração. O universo dos influenciadores é fenômeno que costuma ser celebrado apenas por sua inquestionável e avassaladora dimensão, traduzida em negócios, dado o volume de cliques, mas que pede urgente compreensão. Uma pergunta se impõe: aonde mesmo chegaremos se a principal fonte de conhecimento da sociedade estiver atrelada a cidadãos que nem sempre sabem o que dizem e invariavelmente apelam para exageros intencionais? Não se trata de um olhar ludita, contra o avanço tecnológico, ao contrário. É apenas a preocupação com o bom uso das extraordinárias ferramentas que a avalanche de inovações trouxe para a humanidade.
Uma reportagem desta edição de VEJA ilumina o tema com acuidade e profundidade, características que, aliás, sempre prezamos. O ponto de partida é uma pesquisa com resultados preocupantes. O Brasil tem 500 000 influenciadores digitais com mais de 10 000 seguidores — gente que posta e grava informações na esperança de conquistar fama, dinheiro, ou os dois. Tal massa supera o total de engenheiros civis (455 000), dentistas (374 000) e arquitetos (212 000) e empata com o contingente de médicos (502 000). Levando em conta os influenciadores com mais de 1 000 seguidores, esse número salta para 13 milhões — o equivalente a 6% da população brasileira.
Evidentemente, existe uma razão bem objetiva para que tantas pessoas procurem essa “carreira”. De acordo com o mesmo levantamento, o Brasil é o segundo país que mais segue influenciadores no mundo (44,3% dos usuários), atrás das Filipinas (51,4%). O top 5 é formado apenas por nações emergentes (também entram na lista Nigéria, Indonésia e Argentina). Não se trata, reafirme-se, de apartar a população da rede de informações montada e alimentada diariamente — e com a qual a civilização deu saltos inigualáveis. Muito menos de condenar o seu sucesso. Viva a internet e as redes sociais. Mas é preciso cautela para separar o que é bom do que é deletério, as boas das más influências.
Publicado em VEJA de 6 de julho de 2022, edição nº 2796