Autora de guia visual de cervejas, Francesca Sanci aposta nas artesanais
Para 'sommelier', as microcervejarias têm muito espaço para crescer, especialmente descoladas das grandes marcas

O mercado cervejeiro no Brasil está otimista para este ano, o primeiro em que os efeitos da pandemia de Covid-19 não devem impactar o calendário de eventos de janeiro a dezembro. Com faturamento anual em torno de 80 bilhões de reais (nos números de 2021), é um universo em transformação tanto por aqui quanto no restante do mundo. E uma das principais razões são as restrições ao álcool e o crescimento dos produtos premium e das microcervejarias – em detrimento das grandes marcas. Mas há espaço para crescer e transformar ainda mais esse cenário, segundo Francesca Sanci, sommelier de cervejas e autora de O Livro da Cerveja (Intrínseca), um guia visual para iniciados e não iniciados — com edição visual dos designers Alexandre Lucas e Renata Steffen. A seguir, ela conta como entrou nesse mundo ainda extremamente masculino e explica sua aposta na ampliação das artesanais e do que chama de “produtos mistos”.
Como foi o início da sua relação com as cervejas?
Eu comecei fazendo gastronomia, mas no trabalho descobri que não queria cozinhar, preferia algo além da cozinha. No salão, no bar, isso era muito viável. Você está em contato direto com o cliente e pode proporcionar uma experiência gastronômica, também. No caso da cerveja, lembro do dia que provei uma com um aroma incrível de banana e pensei: “Nossa, isso é incrível! Preciso aprender mais”. Era uma Lambic, com levedura mais selvagem. Na faculdade, a UFRJ, entrei no curso de sommelier de cervejas e comecei a me especializar. Hoje, eu dou aulas nele e já fui até coordenadora.
O ambiente cervejeiro no Brasil é tradicionalmente mais masculino e machista até. Como foi enfrentar isso?
Eu trabalhei muito. No atendimento, como professora e dando treinamento em cervejarias. Mas foi preciso provar o tempo inteiro que sabia sobre o assunto, sem ser arrogante e, ao mesmo tempo, tendo de ser simpática. Além disso, era muito nova quando comecei, tinha 22 anos na época. Quando comecei a coordenar o curso, os alunos tiravam dúvidas com os assistentes. Nunca foi muito direto, como é com amigas minhas que trabalham com charutos, por exemplo. O tempo inteiro a gente tem que mostrar que sabemos o que estamos fazendo.
Quais são as suas preferências em termos de cerveja?
Acho que cerveja é muito da época. No início, eu gostava muito das de trigo, que é por onde normalmente as pessoas começam — porque acalma o coração. Também tive a minha época das IPAs (india pale ale) e das American IPAs, que eram mais amargas. Hoje, sou das cervejas ácidas porque são mais complexas, com fermentação espontânea e fermentação e induzida. Temos um estilo brasileiro chamado Catharina Sour, reconhecido internacionalmente, e que foi criado em Santa Catarina. É um estilo de cerveja incrível porque normalmente é leve, refrescante e fácil de beber, além de tem esse aspecto frutado. É o tipo de cerveja que hoje mais me agrada.

Como você analisaria o mercado brasileiro de cerveja?
Temos uma influência muito grande dos Estados Unidos. Para muitas coisas, na verdade, e com a cerveja não é diferente. Começa lá e depois chega aqui. Foi assim com as Bock, que depois sumiram. Hoje, temos uma presença muito forte das artesanais nos bares. Acho que São Paulo também acontece muito isso. No Rio, os bares de cerveja também: de cada dez torneiras, oito têm tem IPA (india pale ale). Acredito que seria interessante, nesse momento, a gente começar a tentar criar novos estilos brasileiros, como a Catharina Sour. Temos muito potencial para isso e para cair no gosto do público.
Quais são as principais tendências, hoje?
As cervejas sem álcool. Não só no Brasil, mas no mundo. Quando estava fazendo o Guia, uma pesquisa mostrou isso. Os países na Europa já tem diminuído muito o consumo de cerveja, já tem diminuído muito o consumo de álcool. E no Brasil isso ainda não é uma realidade, mas vai começar a ser. Antes, a gente tinha o quê? Sem álcool, a gente tinha Brahma, Itaipava. Poucas cervejas sem álcool e convenhamos com uma qualidade OK. Agora, temos cervejarias artesanais pequenas e grandes lutando pelo espaço do sem álcool. Acho que cada vez mais as cervejas sem álcool, as cervejas com pouco álcool e as bebidas mistas como cerveja vão ser uma tendência.
Mistas? Pode dar um exemplo?
As radlers, que são muito populares na Alemanha estão começando a aparecer no Brasil, principalmente aqui no Rio. Essas bebidas, que são muito usadas pelos ciclistas para repor a energia gasta nas corridas, misturam água e sucos de fruta. A legislação do Brasil não permite chamar de cerveja, por causa da proporção das bebidas. Tenho visto bastante nos mercados.
E o mercado brasileiro, para onde vai?
O mercado artesanal tem de 4% a 6% do total no Brasil. A previsão era que a gente chegasse a ser os Estados Unidos, mas hoje temos muitos problemas relacionados a imposto. Está aí um pouco a dificuldade termos um mercado de artesanal autêntico, não esse que está dentro dos grandes conglomerados. A boa notícia é que tem espaço para crescer.