Alexandre Herchcovitch: “Vendi a marca, mas não vendi o meu cérebro”
Com trinta anos de profissão, o estilista fala sobre a retomada da marca que fundou e diz que a moda brasileira anda irrelevante
Em 2016, você vendeu a marca Alexandre Herchcovitch para o grupo InBrands e se afastou do negócio que havia criado. Foi a decisão certa? Eu vendi a marca, mas não vendi o meu cérebro, não vendi a minha inteligência. Existem coisas que permanecem na pessoa. Continuei sendo estilista, só que sem o uso daquela marca.
Não era estranho ver seu nome em uma marca e não ter nada a ver com aquilo? Não era estranho, porque os novos donos fizeram poucos produtos e depois pararam. Então, a marca ficou sem ter uma representatividade relevante no mercado brasileiro e internacional. Acabei não vendo muita coisa que eu não fiz com o meu nome.
E agora, como funcionará o seu retorno, já que a marca ainda pertence à InBrands? Eu e mais dois sócios temos um contrato de uso pleno da marca, com liberdade comercial e criativa para fazer negócios por pelo menos dez anos. Acho que sou o primeiro caso de um estilista a voltar para a própria marca depois de a ter vendido no Brasil. Isso tem uma força grande.
A moda mudou muito nos últimos anos? Sim. Primeiro, houve a mudança radical de consumo. Hoje em dia, não podemos negar que o digital é uma parte vital do negócio de moda. Outra coisa é a maneira como as marcas estão mostrando as suas roupas. Agora, um influenciador tem uma potência muito grande, dependendo do público para o qual fala.
Você considera isso positivo? Não sei se é bom ou ruim, apenas aconteceu. Quando abri o meu Instagram, há mais de uma década, eu publicava fotos do meu dia a dia, nem pensava em postar um produto. E hoje ele é a minha principal ferramenta de divulgação.
Muita gente diz que a moda brasileira perdeu relevância. Concorda? A moda brasileira perdeu relevância, mas não as marcas. Temos de separar as importâncias. Uma semana de moda nunca pode ser mais importante do que as marcas separadas. A semana de moda, inclusive, precisa das marcas para fazer seu line-up. A minha cabeça sempre foi assim: a minha marca é mais importante que os eventos em si.
Como gosta de se vestir? Eu gosto basicamente de roupas confortáveis, que passam despercebidas no meu corpo. Nem noto que elas estão lá. Eu não tenho muita roupa social, só me visto assim se realmente preciso. Não tenho problemas em repetir roupa ou estilo de roupa. Por exemplo, tenho casacos que estão comigo há mais de quinze anos.
No mercado brasileiro, quem tem potencial para fazer história na indústria da moda? Como observador de moda, não tenho visto nada que me faça suspirar. Em termos de discurso e imagem, tem muito. Hoje eu vejo muito discurso, mas a construção da roupa ficou um pouco para trás.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2023, edição nº 2833