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A turma do aqui e agora: por que a geração Z não quer saber de poupar dinheiro

Voltados para o presente e sem se preocupar com o futuro: a postura reflete o olhar sobre a vida de uma forma mais ampla

Por Sara Salbert 4 Maio 2025, 08h00

Ao longo do século XX, a ideia de poupar dinheiro perpassou gerações diversas que cultivaram a prudência financeira, cada qual impulsionada por suas próprias circunstâncias. Para os baby boomers, uma multidão nascida em meio à euforia pós-Segunda Guerra, economizar era um ato imbuído de carga moral — seus pais e avós haviam recém-enfrentado privações básicas. Os que vieram depois, integrantes da geração X, assistiram à consolidação do consumo em massa e à efervescência na economia, o que resultou num misto de ambição e cautela, com o plano de construir um patrimônio como pano de fundo. Na vez dos millennials, lançados à vida madura enquanto o mercado financeiro mergulhava na crise, a turbulência fez acender um estridente alerta para os riscos de endividamento e instabilidade. Eis que os jovens adultos que hoje compõem a turma Z, imersos em um caldo de estímulos e valores distintos, vêm marchando em direção oposta, guiados muito mais pelo aqui e agora e pela satisfação de desejos imediatos do que pelo conceito de guardar para o futuro.

Uma série de recentes pesquisas ajuda a dimensionar a mudança de visão da juventude sobre o manejo do dinheiro — o que também reflete seu olhar sobre a vida de forma mais ampla. Um levantamento no Brasil, feito pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, mostra que 47% de representantes de todas as classes sociais da patota Z não controlam as finanças. Capital acumulado não é um conceito que embala a existência de gente como o músico carioca Pedro Albuquerque, de 21 anos. “Para mim, o que realmente importa é aproveitar o presente”, resume. Entre as justificativas elencadas, há uma inépcia para gerir o salário (19% afirmam não saber) aliada à falta de disposição para encarar as asperezas da tarefa (18% sentem preguiça e outros 18% não têm disciplina).

arte geração Z

Não se trata de um fenômeno exclusivamente brasileiro. No Reino Unido, um terço revela ter no banco menos de 500 libras (cerca de 3 700 reais), sendo que 17% dizem não cogitar poupar um único penny até os 40 anos, segundo a instituição financeira NatWest. Cenário semelhante foi observado nos Estados Unidos, onde um estudo do Bank of America constatou que 57% da ala Z não possui economia suficiente para cobrir três meses de despesas em caso de aperto e só 15% declaram reservar uma quantia de seu salário para planos mais adiante.

É verdade que às vezes o dinheiro é curto nessa fase em que os jovens estão se firmando no mercado de trabalho. Mas os especialistas avaliam que o que mais pesa na relação dessa geração com as finanças são os fatores comportamentais. Sob o ângulo demográfico, a formação das famílias se dá cada vez mais tarde — quando acontece, já que muitos optam por outros arranjos. Enquanto na década de 1970 os brasileiros subiam ao altar na faixa dos 20 anos, agora a troca de alianças acontece tipicamente aos 30, o que posterga a necessidade de economizar para ter casa própria e sustentar filhos, esses também menos numerosos. “As noções de estabilidade e futuro não têm o mesmo significado para os jovens de agora”, enfatiza a psicóloga Laura Cristina Quadros, vice-diretora do Instituto de Psicologia da Uerj É um comportamento que não se modifica mesmo diante de eventuais períodos de turbulências econômicas no mundo. “Muitos não entendem que se programar para possíveis emergências é fundamental”, ressalta a economista Juliana Inhasz, do Insper.

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INFLUENCIADA A CONSUMIR - A estudante de jornalismo Gisele Vieira, 23 anos, faz muitas compras por impulso no ambiente virtual e perde a conta de quanto gastou. Quando vem a fatura do cartão, é aquela surpresa amarga. Às vezes, ela até tenta dar uma pisada no freio, mas não consegue. “Me falta planejamento e foco”, admite.
INFLUENCIADA A CONSUMIR – A estudante de jornalismo Gisele Vieira, 23 anos, faz muitas compras por impulso no ambiente virtual e perde a conta de quanto gastou. Quando vem a fatura do cartão, é aquela surpresa amarga. Às vezes, ela até tenta dar uma pisada no freio, mas não consegue. “Me falta planejamento e foco”, admite. (//Arquivo pessoal)

Houve sacolejo ainda na ideia de carreira, que é tão importante para essa turma quanto preservar o bem-­estar — daí uma fatia dos representantes Z não raro abrir mão de promoções no emprego que acabariam custando tempo precioso para cuidar de si mesmos. Para seus antecessores, era claro o objetivo de ser reconhecido, escalar a hierarquia e ganhar mais, ainda que isso envolvesse jornadas esticadas no batente e disponibilidade integral. Já os jovens de hoje repudiam ambientes de alto estresse, o que se desdobra em um fenômeno ao qual os especialistas chamam de quiet ambition, ou ambição tranquila. De acordo com a plataforma global Visier, apenas 38% dos membros do quinhão demográfico Z cogitam assumir cargos de gestão — o que impacta, naturalmente, na capacidade de economizar.

Vivências que podem se revelar efêmeras, porém prazerosas, se sobressaem na ordem de prioridades dessa parcela da humanidade. Um estudo da consultoria Deloitte sinaliza que 49% do pelotão Z prefere gastar com produtos ou experiências que tragam satisfação imediata a poupar mirando um horizonte futuro — percentual superior ao de qualquer outra geração. As vitrines digitais às quais estão expostos tratam de dar um gás ao consumo rápido. “A ideia do ‘compre agora, pense depois’ é bastante potencializada pelas redes”, lembra o sociólogo Rafael Egidio. E dá-lhe consumo cuja fatura vem mais tarde e por vezes assusta, já que muitos perdem a noção das cifras. “Frequentemente, eu pago o cartão de crédito sem nem mesmo ver com o que gastei”, admite a carioca Gisele Vieira, 23 anos, estudante de jornalismo. Aos descontrolados de plantão, não custa lembrar as palavras simples, mas sábias, de Benjamin Franklin (1706-1790), que ajudou a pôr a pedra fundamental da nação americana: “A riqueza não é apenas sobre ganhar, mas também sobre poupar”.

Publicado em VEJA de 2 de maio de 2025, edição nº 2942

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