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‘A literatura me salvou’

Lucas Henrique Silva, 26, diz como os livros o ajudaram a se livrar das drogas e a virar fenômeno nas redes

Por Duda Monteiro de Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 jun 2025, 08h00

Desde criança, carregava dentro de mim um vazio que nada parecia preencher. Enquanto via outros meninos felizes, brincando, eu buscava refúgio onde houvesse chance de alívio para aquela falta de propósito — na comida, em jogos e, depois, nas drogas. Tinha apenas 12 anos quando comecei a fumar, e aquilo estranhamente me dava a sensação de estar mais completo. Mas o abismo logo voltava, com tudo. Aos 18, descobri a maconha e, com ela, a ilusão de ter finalmente achado a cura para minha dor. Aos poucos, porém, entendi que estava ficando perigoso. Percebi que precisava o tempo inteiro da droga para anestesiar a angústia. Estava atado àquele ciclo, que só fez piorar. Decidi então tentar parar e começar uma vida nova — um processo turbulento, com idas e vindas, em que encontrei a paz que tanto buscava onde nunca imaginei: nos livros.

Em 2022, criei um perfil nas redes para documentar minha jornada de abstinência — de uma pessoa que não conseguia viver normalmente sem estar entorpecido até a superação. Passei noites em claro, com muitas dores no corpo, agoniado, flertando com a ideia de ir atrás de algo que me trouxesse aquela alegria. É muito difícil se livrar do vício. Por cinco meses, consegui resistir firme. Mas, num dia em que estava mais vulnerável, me permiti um único trago. Uma armadilha, o suficiente para fazer desmoronar tudo. Foi aí que a cocaína e a cachaça entraram na rotina. Vieram as mentiras, as dívidas, o desespero. Tinha acabado de arranjar um trabalho após um bom período desempregado, mas meu salário era todo para as drogas. A geladeira ficava vazia, e eu nem notava. Não sentia fome. Tinha os olhos fundos, dores fortes no peito e na cabeça. Sabia que estava me maltratando, só que não conseguia parar. Esse período escuro, felizmente, acabou no fim do ano passado.

A virada veio de forma improvável. Estava no fundo do poço, havia inclusive perdido meu avô e um amigo próximo, mas estava decidido a me manter sóbrio de alguma forma. Resolvi pegar um livro para ler. Sempre gostei da leitura, mas não cultivava o hábito. Dessa vez, fui fisgado pela história e passei a devorar as páginas, uma atrás da outra, até 100 por dia. Preferia, no começo, obras inspiradas em filmes, uma leitura mais fácil, mas que me trouxe, enfim, um objetivo. Acordava já pensando em engatar na leitura. Não que o interesse pelas drogas tenha passado, porém deixou de ser prioritário. Com o dinheiro que gastava antes com a cocaína, passei a dar lucro às livrarias. Não tenho preconceito com gêneros, vou do terror aos clássicos e, sendo um homem gay, também aprecio os romances LGBTQIA+. Nesse processo, me encantei até com Machado de Assis.

Fiquei surpreso quando vi meu depoimento viralizar nas redes, onde falo do duríssimo processo que é ficar longe das drogas e faço resenhas literárias. As editoras passaram até a me enviar livros. Já alcancei mais de 5 milhões de pessoas no TikTok, um público jovem com quem converso muito bem. Uma parte comenta minhas críticas, a outra, como eu, briga com o vício e se diz inspirada pela direção que segui. No futuro, penso em estudar psicologia para poder ter mais ferramentas para auxiliar adictos. Vivo hoje com minha mãe na cidade de Jussara, no interior do Paraná, e ela e meu pai, que mora mais longe, não são apenas uma base emocional, mas entusiastas do meu gosto pela literatura. Eles ajudam até com os equipamentos para gravar vídeos. Ainda travo uma batalha contra a depressão, o vazio. Mas saber que minha experiência pode ser útil a tanta gente é um motor incrível. Completei seis meses sóbrio e convicto de que os livros, além de um grande prazer, são a minha salvação.

Lucas Henrique Silva em depoimento a Duda Monteiro de Barros

Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição nº 2950

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