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A lei do cão: vira-lata abusado pelo tutor abre caminho para uma grande vitória

Além de criar precedente, o veredicto ilustra o crescimento das preocupações com os direitos animais

Por Natalia Tiemi Hanada Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 jun 2025, 08h00

Foi insólito e marcante. Em Ponta Grossa, no Paraná, o cachorro vira-lata Tokinho venceu uma ação judicial, depois de ser espancado com um pedaço de madeira por seu ex-tutor, que deverá indenizar o bicho. O nome do animal foi citado na sentença (veja acima) ao lado do Grupo Fauna de Proteção aos Animais, que o acolheu. O ineditismo teve celebração. “A decisão foi importantíssima e agora vai servir de referência para os próximos juízes que forem julgar casos semelhantes”, diz Isabella Godoy, advogada do cãozinho. Além de criar precedente, o veredicto ilustra o crescimento das preocupações com os direitos animais, área promissora para advogados especialistas.

Começa a valer, a partir do episódio de Tokinho, a lei do cão, digamos assim, embora já exista desde 1988 um artigo da Constituição aprovado para defender a turma de quatro patas: “Incumbe ao poder público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”. O texto segue o entendimento de que os animais, domésticos ou silvestres, são seres sencientes, ou seja, têm sentimentos de maneira consciente, como descrito nas Declarações da Universidade de Cambridge de 2012 e, mais recentemente, da Universidade de Nova York. A premissa os instala em posição de detentores de direitos e serviu de base para a juíza Poliana Maria Cremasco Fagundes Cunha Wojciechowski acatar Tokinho como parte do processo.

PROTESTOS - Atos contra uso de peles: maus-tratos são hoje inconcebíveis
PROTESTOS - Atos contra uso de peles: maus-tratos são hoje inconcebíveis (Creative Touch Imaging Ltd./NurPhoto/Getty Images)

A realidade, contudo, é mais dura. Além de casos de agressões, como as do pet paranaense, que foram registradas por câmeras de segurança, animais domésticos sofrem com o abandono. Cerca de 20 milhões de cães vivem nas ruas brasileiras, segundo pesquisa da Mars Petcare, empresa da marca Pedigree. Animais não domesticados são ainda mais negligenciados: enquanto a pena para quem comete crimes contra cães e gatos aumentou para 2 a 5 anos desde 2020, no caso dos bichos silvestres segue sendo de seis meses a um ano. Em janeiro, uma mulher matou uma onça-parda, ameaçada de extinção, no Piauí. Pagou multa de 5 000 reais, limite máximo que o Ibama pode aplicar, e está em liberdade. O espaço para briga, portanto, é imenso e nem mesmo leva em consideração a nossa turma, de bípedes. “O direito animal é autônomo para garantir que as espécies tenham direitos garantidos simplesmente por existir e não porque representem alguma utilidade para o ser humano”, diz Viviane Cabral, presidente da Comissão Estadual de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB de São Paulo.

É avanço que pede passagem em paridade com o que já ocorre na Europa e nos Estados Unidos. Protestos contra o uso de peles de animais na indústria da moda para conscientizar sobre a busca de soluções mais éticas já fazem parte do calendário da indústria de consumo. Realizadas tradicionalmente na sexta-feira da Black Friday, notória pela exposição de produtos em promoção, as manifestações chamam atenção para o abuso de animais cujas peles são usadas em roupas ou testes de cosméticos. Brotam, ainda, críticas severas ao descaso com animais no cinema. Fizeram barulho os perigos corridos pelo tigre-de-bengala que quase se afogou no set de As Aventuras de Pi (2012) e cujo incidente foi acobertado pela organização que deveria protegê-lo.

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DESVENTURAS - Tigre de As Aventuras de Pi: o lindo felino quase se afogou
DESVENTURAS - Tigre de As Aventuras de Pi: o lindo felino quase se afogou (./Divulgação)

Tokinho, que passou a se chamar Floquinho, agora em nova família, pode vir a ser o símbolo de um novo tempo. O olhar terno da belezinha ferida parece sinalizar um pedido de socorro, ou de cuidado. E haverá, a partir de agora, letra jurídica de proteção, porque assim caminha a humanidade. A legislação anda ao lado das pessoas de bom senso, na defesa dos melhores amigos.

Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949

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