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Walcyr Carrasco

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Vocação: Guru

A profissão de palpitar na vida alheia continua sendo um sucesso

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h14 - Publicado em 11 set 2022, 08h00

Ser guru sempre foi uma excelente carreira. Houve a época dos gurus indianos como o Maharishi, que, impulsionados pelos Beatles, se projetaram no mundo, passaram a ganhar em dólares e dificilmente mantiveram a dieta de arroz integral. Bandos de jovens ocidentais foram para a Índia, onde entravam em conexão com o cosmo limpando e lavando o espaço da seita, os aposentos do guru e tudo mais — para adquirir transcendência.

Há gurus de marketing, de preparação física, de vida amorosa. Tornar-se um é muito lucrativo. Não é preciso jejuar, dormir sobre tábuas e dar exemplos diários de humildade e elevação, como os mestres indianos. Pelo contrário. Adotam a máxima de que cuidar bem do corpo é um ato espiritual — e nisso estão incluídos os menus degustação.

Já assisti ao surgimento de vários gurus. Um deles, por exemplo, era analista de marketing. Perdeu o emprego careta. Fiquei sem vê-lo por algum tempo. Quando nos reencontramos, ele se especializara num tratamento alternativo que, com alguns apertões em certas áreas do corpo, faria a pessoa esquecer todos os traumas e desabrochar como ser humano. Não fui experimentar, não posso opinar sobre a qualidade. Mas ele estava pleno, tendo alcançado seu lugar no mundo. Os que explodem com livros e palestras ficam até ricos. Raramente dizem bobagens. Seu escopo é jogar as pessoas para cima, propor superações.

Em geral um guru, desde novinho, fala o que é certo, errado, do que se deve fugir, e o que abraçar. Um bom livro de literatura é mais profundo sobre a vida do que qualquer um dos seus textos. Mas eles facilitam, simplificam, mastigam ideias.

“Se você encontrar alguém que diz como viver, dá dicas de como agir num contato com aliens, pense bem”

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Qual a fórmula para se tornar um guru? Em primeiro lugar, a atitude de querer dar palpite na vida alheia. É preciso ter o prazer de aconselhar, encaminhar, até mesmo ameaçar com uma vida horrível caso a pessoa não siga suas instruções.

Fundamental também é conhecer a área sobre a qual estabelecer seus tentáculos. É preciso estar presente no que se acredita. Nunca vou esquecer do meu trauma ao conhecer um professor de ioga barrigudo. Sei muito bem que ioga não é para emagrecer. Mas… foi uma surpresa!

Gostar de ganhar bem é um ponto importante. É preciso fazer contas, vender palestras, livros, cursos. Hoje em dia vive-se uma explosão de cursos on-line, e a autoajuda é um dos terrenos mais prolíficos. É preciso acreditar no que diz, agir como prega. Com a internet, a vida do guru se tornou mais espinhosa, qualquer tropeço vira meme, notícia… risco de cancelamento!

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Os gurus que conheci ao longo da vida reuniam todas essas características. Eu prefiro não seguir gurus, nem ser um… Não se esqueça, é perigoso deixar que alguém se aposse de sua vida. Pense bem. Só dou um conselho. Se você encontrar alguém que diz como viver, dá dicas de como economizar ou de como agir num futuro contato com alienígenas, reflita se quer mesmo esse guru. Afaste-se e vá cuidar da própria vida. Só não deixe que ele cuide da sua. Por que é isso que ele mais ama: palpitar na vida alheia.

Publicado em VEJA de 14 de setembro de 2022, edição nº 2806

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