Vivo em estado contínuo de terror. Outro dia entrei no meu e-mail. Veio um aviso ameaçador: se não assinasse um determinado serviço de proteção cibernética, poderiam invadir meu computador. Espalhariam meus nudes e arrasariam minha reputação que, reconheço, tem brechas. Levei um choque. Mas aí me lembrei: não tenho nudes. Nunca fiz um na vida. Não por ser contra, há nudes lindos por aí. Mas meu corpinho já não dá, estou mais para fetiche que para bad boy. Há outras ameaças, constantes. Tipo: se eu não adquirir determinada proteção antivírus, vão entrar nas minhas contas bancárias, me depenar. Nem me abalei, mas tive pena de outros na mesma situação. Simplesmente, não administro minhas contas por computador. Nem por celular. Nem faço Pix. Computador para mim é para escrever. Novelas, livros, crônicas.
Nesse instante, fui avisado. Foram identificadas duas novas ameaças no meu PC. Eu ficaria mais apavorado se todos os dias não identificassem novas e novas. Pelo índice de ameaças detectadas, meu computador já deveria estar no lixo.
Mas eu fico pensando. Quem foi o gênio do terror que criou essa estratégia de marketing? O Lobisomem, o Conde Drácula, o Frankenstein? Por que cada vez que abro o computador tenho de ser ameaçado? Ah, sim, poderia perder todos os meus livros, arquivos esotéricos, projetos para o futuro. Poderia, mas não perderei. Há a nuvem. Talvez um hacker entre na nuvem para descobrir que sou um chato, daqueles que não arquivam nem as datas de aniversário dos amigos (um drama, porque todo ano ouço as reclamações). Mas será que um hacker não tem mais o que fazer, como invadir os computadores da Nasa e despachar o próximo foguete para Andrômeda?
“Por que ao entrar no computador tenho de ser ameaçado? Um hacker não tem mais o que fazer?”
É estranho esse marketing do terror. Em vendas, avisam que é minha derradeira oportunidade de comprar algo de que não preciso. Ou que é o último par de sapatos, de casacos, enfim, minha única chance de fazer algo que não quero. Ou pior: que é a minha última oportunidade de comprar um curso on-line que mudará toda a minha vida, me transformará num ser especial e sábio. E que eu não posso perder, caso contrário…
É tão avassalador esse marketing do medo de perder, perder, perder, que larguei mão. Por que não me oferecem simplesmente algo com decência, sem sacudidas? Algo mais doce, na linha do simplesmente “seria bom pra você”?
Não resisto, olhei de novo. Quem sabe vem nova ameaça, desta vez séria? Não veio, ainda bem. Mas vem o conselho. Ative o pacote “premium”, para ter mais segurança. Mas, espere aí, eu já não estava pagando um serviço cuja obrigação era me proteger? Agora tem que ser premium!? E depois do premium vem o quê? Imagino o pai de família que fez um único nude na vida, ao receber uma mensagem dessas. Deve acabar num centro cardiológico, de medo de virar meme na internet.
Pensando bem, esse marketing do terror é uma espécie de chantagem, não é? É de lei? É justo sacudir o cidadão cada vez que ele abre o computador para mandar uma mensagem confortável e simpática?
Publicado em VEJA de 19 de julho de 2023, edição nº 2850