Verdades que ninguém diz
Do influencer à moça espiritualizada, o fingimento hoje rege tudo

Absolutamente sincero ninguém é. Seria preciso muita coragem para dizer que o penteado está horrível para uma mulher que passou a tarde no cabeleireiro. Ou que os dentes brancos como teclas de piano de alguém são descaradamente falsos. Há mentiras suaves e verdades que machucam — como dizer que alguém engordou, principalmente se a pessoa se orgulha de fazer regime. A época atual exige um arsenal de falsidades para viver socialmente. Há o que todo mundo pensa, mas ninguém diz, eis a verdade. Verdades trancadas no armário junto com a calça jeans que não fecha mais e as mensagens do WhatsApp não respondidas. Existem os que dizem “sou sincero demais”, para justificar a má educação. Ninguém quer saber de muita sinceridade, eis a verdade. Por exemplo, quem fez um Botox para parecer naturalmente jovem e uma criatura venenosa pergunta se pelo menos consegue erguer as sobrancelhas. A verdade sem compaixão é que nem jaca madura: se cai em alguma cabeça, faz estrago.
Quem diz “não gosto de fofoca” geralmente é o maior canal de distribuição. Pior: dá um toque pessoal em cada história que ouve. Finge que não quer saber, mas escuta até com o tímpano da alma. A diferença entre o FBI e a “tia Neusa” do grupo da família é que, em geral, dona Neusa tem informações mais quentes. Outra verdade, que não se costuma expor, é que ninguém é tão espiritualizado assim. Tenho amiga que entoa mantras, tem quartzo rosa na sala para elevar as energias, posta frases positivas sobre gratidão. Mas xinga o motorista do Uber se ele erra a rua. O Buda só está observando.
“A época atual exige um arsenal de falsidades na vida social. Ninguém quer saber de sinceridade”
Uma lenda urbana, entoada principalmente pelos artistas (ou candidatos a), é que a felicidade está em trabalhar com o que se ama. Se até no amor há confusão, briga e divórcio, imagina no trabalho. O superchef pega horror a pratos criativos e até pede arroz com feijão no iFood. O grande roteirista quer atirar o laptop pela janela (não é biográfico, mas quem sabe poderia ser). Amor e vocação não imunizam contra tédio. Nem contra boletos.
Tem gente que só aparece quando se precisa. E tem quem some nessas ocasiões. Afinidade real não é com quem dá parabéns com emoji animado. Mas com quem segura minha mão quando estou no buraco e ainda traz café. Também, todo mundo tem um ex de quem a gente passa a vida falando horrores. Você finge que evoluiu, que superou, que virou luz… Mas, se o ex manda um “oi, sumido”, a alma responde: “oi, querido”. Pior mesmo só o influencer que manda “acordei assim”, depois de passar um tempão na maquiagem e ajustando o ring light. Tudo certo. Só não mente tanto. Diante de tanto filtro de luz, ninguém gosta de se sentir bobo.
O problema das verdades é que, por mais que fiquem guardadas, elas não são discretas. Gritam. Não usam salto baixo. Elas aparecem com glitter, batendo a panela, gritando seu nome no meio de um shopping.
Mas tudo bem. Se acontecer de uma verdade bem guardada brotar numa situação como uma samambaia de metro, ria. O importante é saber rir de si mesmo, antes que os outros façam isso por você.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943